Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
A morte de Bruno Covas e a sutil arte de ficar calado
Morto o prefeito da cidade de São Paulo Bruno Covas (PSDB), minhas redes sociais encheram-se de conhecidos, amigos, influenciadores e "idiotas da aldeia" dando suas opiniões não requisitadas sobre a morte de Covas.
Muitos dos viventes que se expressavam via Twitter, Instagram e Facebook diziam coisas como "é difícil falar do assunto", "o momento é delicado, mas", "é duro dar opinião sobre essa morte, no entanto". Tais comentários, no entanto, eram precedidos de textões, memes e vídeos versando sobre o tema.
Se oferecer nossa opinião sobre a morte de uma pessoa de 41 anos vítima de um câncer é um assunto espinhoso, por que não abster-se desta hercúlea tarefa? Que pressão é essa que leva milhões de "civis" brasileiros — civis, neste caso, são pessoas que não pagam suas contas em troca de suas opiniões — a sentirem-se na obrigação de emitir comentários desprovidos de dados, profundidade ou sensibilidade sobre tragédias, doenças, escândalos e cancelamentos?
Não estou aqui para opinar sobre a morte de Covas. Deixo isso para o pessoal acostumado a cobrir política, ou aos especialistas em saúde. A polêmica "do momento" pouco me interessa hoje. O que me interessa, de verdade, é a forma como as redes sociais nos fizeram acreditar que devemos opinar publicamente sobre tudo que acontece no mundo. E quem ganha com isso (sim, quem faz dinheiro com sua opinião) são as próprias redes sociais.
A fantástica fábrica de especialistas
O capitalismo contemporâneo é um mar de "marketplaces" onde os produtos viraram "commodities" vendidos à granel e os produtores são pessoas sem rosto e sem história que produzem, sabe-se lá como, mais e mais barato.
Assim como a Amazon monopolizou a verba de livrarias (e editoras), centralizando a venda de livros, o Uber fez o mesmo com os táxis e o Spotify com a música; as redes sociais tornaram a opinião, e o conteúdo de uma forma geral, "commodities". E, pior, muito mal remunerada (quando não totalmente grátis).
Eu admito, o Facebook teve a grande sacada de pagar pelo conteúdo que produzimos com uma moeda que só vale no próprio Facebook: o "like", que, na verdade, é um afago no ego capaz de ativar os mecanismos de recompensa de nosso cérebro. Em troca dessa moeda tão invisível quanto a roupa do rei, trabalhamos de graça para o Facebook, o Google e o Twitter, nos expomos e inundamos o mundo de conteúdo tão descartável quanto canudinhos de plástico e brinquedinhos do Kinder Ovo. Nossas opiniões nas redes sociais são as sacolinhas de plástico da informação. Só servem para poluir o mar de conhecimento gerado pela humanidade até aqui.
Polêmica vende
Uma coisa que o Programa do Ratinho e as velhas revistas de fofoca já sabiam há tempos é que polêmica e sensacionalismo vendem. E não demorou muito para que os algoritmos das redes sociais, inteligentes que são, percebessem o mesmo.
Diversos estudos mostram que conteúdos mais agressivos e radicais no YouTube, por exemplo, eram mais entregues pelo algoritmo do que conteúdos ponderados. Isso corria porque esse tipo de conteúdo mantinha o usuário mais tempo assistindo aos vídeos da plataforma do Google.
É por isso que quanto mais polêmico seu comentário/textão/vídeo, mais likes e comentários ele vai ter e maior será a sensação de recompensa que você ganhará de brinde. Consequentemente, mais audiência para Instagram e cia, logo mais anunciantes, e mais dinheiro na conta de Mr. Zuckerberg. Bom para todo mundo, né?
Felizes nas redes, deprimidos na vida real
Na verdade não é bem assim, a vida humana não corre no ritmo dos algoritmos e a sociedade em que vivemos não ganha nada com a enxurrada de opiniões polêmicas vomitadas diariamente nas redes sociais sobre tudo e todos. Se nos anos sessenta um compositor popular perguntava "quem lê tanta notícia?", eu me indago quem lê tanta opinião. Mais que isso, lembro do que meu sábio pai dizendo à mesa do almoço: "Falar é prata, calar é ouro".
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