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Fred Di Giacomo

REPORTAGEM

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

Pistoleiro fashionista e bissexual, Dioguinho virou lenda no interior de SP

Dioguinho, o pistoleiro mais famoso do oeste paulista - Domínio Público
Dioguinho, o pistoleiro mais famoso do oeste paulista Imagem: Domínio Público

29/06/2021 06h00

O que significa ser homem, ser "macho", hoje? E o que isto significava para os velhos "caubóis" e "pistoleiros" do final do século XIX?

"Ser homem no século XIX significava não ser mulher, e sobre todas as hipóteses jamais ser homossexual", escreve o psicólogo Sérgio Gomes da Silva no artigo científico Masculinidade na história: a construção cultural da diferença entre os sexos.

Repercutindo o clássico "O cultivo do ódio" de Peter Gay, ele continua: "os traços que os descreviam, voltavam-se para a forma de se vestir, a forma de andar, a maneira de se comportar, a entonação de voz (...), assim como também era ressaltado a forma física, a musculatura (...), e por fim, as qualidades psicológicas do homem como a agilidade, a coragem, a distinção, a bravura, o heroísmo."

Ou seja, ser homem tanto no velho oeste americano, quanto no velho oeste paulista significava não ser "homossexual" e afirmar sua masculinidade pela violência. O que não parece muito diferente das crenças do séquito bolsonarista de hoje.

É por romper com esse senso comum que a história de Dioguinho, "o matador dos punhos de renda", como ficou conhecido, é tão única. Maior pistoleiro do interior paulista, Dioguinho virou filme, ainda em 1917, quando o cinema brasileiro engatinhava em nosso primeiro "bang bang".

Diogo ficou famoso nacionalmente, no final do século XIX, por sua coragem, valentia e violência — mesmo não sendo heterossexual.

Dioguinho, "o matador dos punhos de renda"

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Capa do livro "Dioguinho - o matador dos punhos de renda"
Imagem: Reprodução

Até 2017, eu nunca tinha ouvido falar de Dioguinho, apesar de ele ter vivido em São Simão, interior paulista, cidade onde nasceu minha avó Hermínia. O descobri enquanto fazia as pesquisas para meu primeiro romance "Desamparo" (Editora Reformatório, 2018), do qual ele se tornou um personagem central.

Diogo da Rocha Figueira era um homem alto, de bigodes bem aparados, cabelos negros repartidos de lado, olhos castanhos e cicatriz no queixo. Dândi elegente, gostava de se vestir bem — com terno de linho branco, gravata borboleta, bengala nova e esporas de prata.

Nascido em Botucatu, filho de portugueses, diz a lenda que sua primeira morte se deu quando tinha 9 anos. A vítima teria sido um irmão de criação, sobre a cabeça do qual Dioguinho deixou cair uma chapa de metal. A história soa mais como mito, do que como realidade e não tem qualquer comprovação. Nesses tempos, apesar de bom aluno na escola, Dioguinho vivia arrumando briga. Aos 15 anos, se tornou agrimensor, medindo as terras dos grandes coronéis da região de Ribeirão Preto. Gostava de estudar os poetas e filósofos gregos. Aristóteles era dos seus favoritos. Não desgrudava, também, do dicionário de sinônimos e antes de dormir sempre lia uma das orações do livro das "Horas Marianas".

Tinha 18 anos quando, ao voltar da medição de terras de uma fazenda em Tatuí, encontrou o irmão Joãozinho chorando perto de um poço. Joãozinho tomara uma bofetada do dono de um circo de cavalinhos, após uma discussão por causa de ingressos. Dioguinho foi tirar satisfação com o homem e o acabou matando-o com uma facada. Foi sua primeira morte "oficial".

O homem, que chamava a atenção das donzelas por onde passava, começou, então, a prestar outros serviços para os coronéis além da agrimensura. Ele expulsava posseiros, acertava contas, eliminava desafetos. Diziam que sempre arrancava uma orelha de suas vítimas para provar aos contratantes que havia feito o serviço, depois amarrava-as em um barbante -- seu "rosário macabro".

Diogo foi também oficial de justiça e chegou a assinar a ata da proclamação da República, comprovando que a violência no Brasil sempre uniu Estado e grandes proprietários de terra, tendo como principais vítimas os mais pobres da população.

Romance com filho de fazendeiro

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Cena do fime "Dioguinho", de 1916
Imagem: Reprodução

Em suas pesquisas para o livro "Dioguinho - O Matador de Punhos de Renda" (Editora Casa Amarela), o jornalista Diogo Garcia descobriu depoimentos à justiça, feitos por sobreviventes de tocais de Dioguinho, que afirmavam que o pistoleiro tinha um romance com Zequinha Maia, herdeiro de um poderosos fazendeiro da região. Por reprovar a relação, o pai teria sido morto por Diogo. No casebre onde Dioguinho se escondia também foram encontrados, pela polícia, perucas e roupas femininas

São atribuídos a Dioguinho, oficialmente, cerca de 24 assassinatos. A excelente HQ "Cão", escrita e desenhada pelo caipira Breno Ferreira, lhe atribui 50 mortes. Há outras fontes que falam em centenas de cadáveres nas costas do matador. Os números inflados pertencem mais ao imaginário popular do qual Breno Ferreira, criado em Limeira (SP), bebeu para criar seus quadrinhos. O fato verídico é que Diogo da Rocha Figueira desapareceu, em 1897, após uma troca de tiros com a polícia, às margens das águas barrentas do Rio Mojiguaçu, quando foi dado como morto.

Seu corpo, entretanto, jamais foi encontrado.

Para saber mais

Livro: "Desamparo" (Editora Reformatório, 2018)
Autor: Fred Di Giacomo

HQ: "Cão" (Editora Mino, 2017)
Autor: Breno Ferreira

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Capa do livro "Desamparo de Fred Di Giacomo
Imagem: Reprodução

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Capa da HQ "Cão" de Breno Ferreira que conta a história do matador Dioguinho
Imagem: Reprodução