Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
"Filhos? Não. Obrigada." Maternidade compulsória e romantização do maternar
Precisamos conversar com meninas e mulheres jovens sobre maternidade. Precisamos estimulá-las a pensar sobre o que planejam para suas vidas quando o assunto é ter ou não ter filhos. Precisamos proporcionar a elas este espaço de escuta sem julgamentos, principalmente por que aqueles que acham adequado cobrar por filhos e julgar as mulheres que não desejam tê-los já estão fazendo isso.
A pressão social pela maternidade é altíssima e chega de todos os lados, até de onde menos se espera. Amigos, família, igreja, profissionais de saúde perpetuam discursos que misturam cobrança, ameaças de um futuro solitário e cheio de arrependimento, além da clássica romantização da maternidade.
Como nós, mulheres mães, aprendemos que ser mãe é lindo e cor-de-rosa, quando nos vemos em meio aos incontáveis e imensos desafios que a maternidade nos impõe, nos julgamos defeituosas ou incapazes de sermos mães do jeito certo. Aquele jeito da foto do Instagram.
Julgadas, muitas mães reais optam por esconder a real maternidade e adotam para si o discurso de que está tudo bem, mesmo quando o nosso mundo está caindo sobre as nossas cabeças. Assim, seguimos reforçando a impressão de que a maternidade é, sim, esse padecer no paraíso.
Tenho a impressão de que esta romantização do que é ser mãe é a base do discurso de que somos obrigadas, as que querem e as que nunca quiseram, a abraçar esse doce destino de todas as mulheres.
Uma amiga querida veio me contar recentemente que estava a procura de uma outra profissional para cuidar de sua saúde. Motivo? A que a acompanhava desde sempre disse a ela que chegara o seu tempo limite de decidir sobre ter filhos:
"Nem seu marido nem o seu corpo vão continuar te esperando nessa decisão absurda de não querer ter filhos, não."
A profissional disse que ela precisava agir logo, pois mulheres sem filhos estão fadadas a serem traídas por seus companheiros "que vão procurar uma vida feliz e com filhos em outro lugar" além de serem fortes candidatas a envelhecer sozinhas, sem ninguém para cuidar delas.
"Amiga, você me conhece. Eu nunca quis ser mãe. Eu não era mãe nem das minhas bonecas. Eu era tia!"
E sorrimos juntas. De tristeza ou "de nervoso".
A pressão construída a partir do medo da solidão mexe com nossos afetos mais íntimos. O dispositivo materno e o dispositivo amoroso, como nos ensina Valeska Zanello, são usados contra nós na manipulação dos nossos desejos e sonhos.
Penso que precisamos naturalizar essas conversas entre nós, mulheres. Falar do quanto homens que pedem incessantemente por filhos podem abandonar suas esposas num piscar de olhos no auge do caos do puerpério. Precisamos falar sobre como ser mãe é difícil, doloroso e limitador dos nossos sonhos.
Todos os caminhos e decisões que tomamos na vida têm lado bom e lado ruim. Ter filhos é maravilhoso e é horrível. É uma delícia e é uma tristeza. É gostoso demais e é difícil pra caramba. Tudo ao mesmo tempo. Assim como não tê-los também o é. E quem precisa pensar de forma livre e tranquila sobre isso somos nós, mulheres.
Seria lindo que pudéssemos fazer esta reflexão ao longo da nossa adolescência e fôssemos protegidas até que a maturidade nos trouxesse mais clareza sobre o assunto.
Leia-se proteção não como moralismo, proposta de abstinência para aquelas que não desejam abstinência, ou demonização do sexo e do prazer, mas sim como proteção a partir da informação, do acesso adequado a métodos contraceptivos seguros e eficientes e a espaços onde a cultura seja a da autonomia e não a da tutela dos corpos femininos.
Seja mãe! É uma delícia. Ou não seja, por que também é.
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