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Para conhecer: Elisama Santos e a educação infantil com afeto
Elisama Santos é baiana, nascida em Feira de Santana. Eu a conheci por intermédio de um outro amigo querido que um dia apresento a vocês aqui. Elisama é escritora, psicanalista, educadora parental e consultora em Educação Não Violenta. Isso significa dizer que ela se dedica a promover a educação dos pais, não dos filhos. E leia educação aqui não como alguém que queira nos colocar em caixinhas e determinar se estamos certos ou errados no modo como criamos nossos pequenos. Não!
As palavras de Elisama são como uma lente única, uma lupa para ver a realidade dos relacionamentos familiares de um jeito que é especial. A dureza e a beleza desse encontro entre crianças e seus cuidadores precisa ser olhada para além das normas e ela é quem convida a gente a olhar para dentro. Antes de saber o que fazer com as dificuldades dos nossos filhos precisamos entender o que fazer com as nossas próprias.
Elisama, eu tenho a impressão de que a nossa sociedade enxerga crianças como pertencentes a uma sub-categoria de pessoas. Um grupo que não merece e nem precisa ser respeitado. É isso mesmo ou eu estou exagerando?
Eu penso que sim. E vejo isso em diversos momentos: quando a gente não dá à criança a chance de nomear o que ela sente ou quando a gente não reconhece que ela pode estar sentindo algo semelhante ao que nós adultos sentimos, por exemplo. Nós inclusive inferiorizamos a criança na forma como falamos dela, mesmo quando estamos tentando ser positivos: "Ah, mas ela é só uma criança".
Como a criança tem em si uma força de seguir em frente "apesar de", e caminhar apesar dos percalços e das pequenas violências que sofre, nós temos a ilusão de que a criança ainda não se tornou o ser humano que ela será. Nós aprendemos isso na nossa infância. Nós fomos vistos assim. A infância foi e é vista apenas como um caminho para a vida de verdade que é a vida adulta.
A criança é esse ser improdutivo e demandante habitando essa sociedade centrada na produção e no lucro. A ideia que fazemos sobre a infância é que esta é a fase de preparar as crianças para que elas se tornem produtivas e sirvam a esta sociedade. Como ela ainda não serve, ainda não é útil, ela faz parte, portanto, desta subcategoria.
Como adultos, nós precisamos perceber a importância da infância. Não há uma fase da vida que é a fase de ouro. É uma perspectiva produtivista. A infância, a adolescência e a velhice não produzem, portanto não importam. Há outros modos de se olhar para a infância que não este que somos acostumados a olhar.
De onde vem essa nossa crença de que educar nossos filhos com violência vai fazer deles pessoas melhores? Sabe, eu tenho pra mim que isso deveria ser óbvio para a maior parte das pessoas, mas eu percebo que não é. Vejo muitos adultos repetindo coisas como: "mas como a criança está fazendo birra e eu não vou fazer nada?" Parece que é preciso bater, gritar ou violentar a criança emocional e fisicamente. Caso contrário não estamos educando.
Júlia, quando eu fui escrever meu segundo livro, o "Por que gritamos?", eu estudei diversas referências históricas à infância. Eu queria saber como outras culturas viam esta fase da vida. Há diversos registros em textos clássicos que trazem a visão da criança como esse ser selvagem que precisa ser atado a múltiplas correntes. Platão disse isso.
Se é preciso conter, moldar, domar esse ser selvagem, isso necessariamente precisará ser feito com violência. E foi essa perspectiva essencialmente europeia, ocidental, que acabou dominando o mundo através da colonização. Muitas sociedades africanas e os povos originários da América não têm na violência a base da educação. Isso é algo que foi trazido. Nós aprendemos que a educação se dá a partir da dor. Essa ideia de que a gente precisa castigar uma criança é muito forte em nós.
Perceba que em momentos que estamos tristes, chorosos ou quando cometemos um erro, tem uma voz lá dentro da gente que diz: "tá vendo só? Você não prestou atenção! Você não fez direito! Bem feito! Você mereceu. Quem sabe se agora, quebrando a cara, eu aprendo."
E quando eu escrevo um texto ou falo algo que amplia a visão de alguém para algum assunto, que faz a pessoa aprender uma coisa nova, é comum ela me elogiar dizendo: "Nossa, o que você disse foi um tapa na minha cara!"
Percebe? Muitos de nós interiorizamos desde muito novinhos que a violência é essencial para o aprendizado, que a gente só aprende com a dor e que não existe uma outra forma de lidar com os comportamentos desafiadores dos nossos filhos e filhas.
Existem momentos que, sim, o meu limite vai ser demonstrado com gritos porque a situação pode demandar mais do que eu consigo dar. Às vezes, o estresse está além do que eu suportaria. Mas isso não pode fazer com que a gente veja o diálogo como algo inútil.
Quando nós éramos crianças, nós escutamos muito um discurso assim: "Eu falo, eu converso, mas se não adianta, eu bato." É como se houvesse um ponto, ou uma linha que define que a partir dali a conversa não resolve. E sim, nós temos a agressividade como parte da nossa natureza, mas nos faltou aprender a dar vazão a essa agressividade de uma forma saudável. Nos faltou aprender que, para educar ou para comunicar, não é essa nossa agressividade que precisa estar em destaque.
Nós não sabemos nada sobre desenvolvimento humano. A gente faz curso para aprender a dirigir, a gente faz curso para aprender a cozinhar mas quando os nossos filhos nascem, a gente acha que educá-los é natural e que por isso a gente não precisa ler, não precisa buscar entender por exemplo sobre as fases do desenvolvimento.
O que eu posso esperar de uma criança de 1 ano? O que eu posso esperar de uma criança de 2 anos? O que é normal para uma criança de 5 anos? O que acontece com esse serzinho e com o seu cérebro em cada fase da vida? Nós não sabemos absolutamente nada sobre isso. E não é uma questão de preguiça individual. O que ocorre é que não existe uma cultura que nos incentiva a buscar saber.
Muitos conflitos se resolveriam de forma muito mais simples se fosse comum ouvir de outras pessoas: "Isso é comum nessa idade. Esse comportamento é esperado. Você pode ler sobre isso em tal lugar." Mas, ao contrário, nós acreditamos que a criança precisa se encaixar às demandas desse mundo que é um mundo centrado no adulto, independentemente da sua idade. Nós temos expectativas irreais sobre as crianças. E se elas não nos atendem nessas expectativas, nos vemos sem saída e recorremos à violência.
No convívio social, o comportamento de uma criança diz aos outros sobre seu pai, sobre sua mãe. Então, se esta criança se comporta mal, isso é sinal de que os pais não a educaram da forma correta. E nós queremos ser vistos como bom pai, como boa mãe.
Queremos provar para as pessoas que nós sabemos o que nós estamos fazendo, que somos pessoas dedicadas. Não queremos que o comportamento do nosso filho desfaça a imagem de bom pai ou boa mãe que estamos construindo. Assim vamos construindo um modelo de educação baseado na violência, no sofrimento, na culpa, na vergonha, na dor e na chantagem emocional.
É preciso fazer um esforço imenso para tentar romper essa lógica e fazer algo diferente disso. Até porque, nós não temos muitas referências de como é fazer diferente e isso é muito difícil. Imagina você decidir pegar um outro caminho, diferente do caminho de todo mundo, e assumir essa responsabilidade sozinha. Não é todo mundo que consegue assumir esse peso. Por isso, ter mais referências é importante.
E como a gente pode fazer diferente? O que você diria para aquela família cercada de pessoas que pensam o oposto de tudo isso que conversamos até aqui? Mesmo em um contexto social ou familiar desfavorável, como, no meu dia a dia, eu posso agir de um jeito diferente em relação aos meus filhos?
Eu acho que uma forma interessante para que a gente comece a agir diferente é ter um pouco mais de curiosidade. A educação tradicional é muito baseada na certeza. Vivemos afirmando as nossas certezas por aí: "Essa criança é muito difícil." "Eu sou muito nervosa e não consigo conversar." E diante dessas certezas a gente deixa de ter curiosidade sobre o que a gente pensa, sobre o que a gente sente. Acho que a mensagem principal para quem quer começar a agir de maneira diferente é se perguntar mais as coisas. Sair desse campo da certeza: "O que será que minha filha ou meu filho está sentindo?" "O que eu estou sentindo?"
Antes de lidar com o que a criança sente, eu preciso entender e nomear aquilo que eu sinto. Eu preciso aprender a me olhar até para reconhecer que naquele momento eu não tenho capacidade emocional de lidar com aquilo.
Quando eu aprendo a reconhecer os dias que eu estou mais nervosa, mais irritada, eu posso me antecipar e me planejar para viver aquele momento respeitando a forma como eu me sinto. A gente se pergunta pouco sobre quem somos e como nos sentimos. Fazer isso pode inclusive nos tornar pessoas mais tranquilas diante de quem pensa diferente no que diz respeito à educação. A gente passa a entender, por exemplo, que os nossos pais fizeram o que eles foram capazes de fazer, mas que agora eu tenho autonomia para fazer de um jeito diferente.
A gente vai errar? Sem dúvida. Nem sempre vamos conseguir ser empáticos, ser amorosos, ser gentis, mas a nossa intenção em fazer melhor é essencial. A rotina engole a gente e aí se torna fácil esquecer os laços de afeto que nos unem àquela criança. A luta pela sobrevivência é tão dura que, quando a gente percebe, o filho é mais um item naquela lista de coisas que temos para fazer.
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Leituras e perfis sugeridos por mim:
Os três livros de Elisama Santos:
Educação não violenta
Por que gritamos
Conversas corajosas
O perfil da Elisama no instagram: @elisamasantosc
O Podcast da Elisama com o Thiago Queiroz: Vai passar
Sugestões da Elisama:
O cérebro da criança
Disciplina positiva
A autoestima da criança
Já tentei de tudo
Meu filho me enlouquece
Perfis para seguir no Instagram:
@educacaoparaapaz
@paizinhovirgula
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