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Julián Fuks

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Já terminaram de ver o que o ódio faz com o país? Podemos agora seguir?

Manifestante bolsonarista segura pixuleco do ex-presidente Lula - Imagem: Anna/Casiraghi/Revista Esquinas
Manifestante bolsonarista segura pixuleco do ex-presidente Lula Imagem: Imagem: Anna/Casiraghi/Revista Esquinas

Colunista do UOL

01/10/2022 06h00

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E então, apesar de tanta cegueira, todos pudemos ver: quanto a brutalidade é bruta, quanto é mentirosa a mentira, quanto é odioso o ódio, quanto é feia a feiura. O que o país tem de mais atroz se mostrou em estado de nudez, já sem nenhum pudor, e quem conseguiu manter os olhos abertos pôde testemunhar sua deformidade, sua decrepitude, seu horror. Avisos nunca faltaram, alarmes soaram a cada atrocidade, infinitas palavras foram ditas sobre o absurdo de tudo, mas parece que não bastava ouvir. Não precisávamos de nada disso, não o merecíamos, mas alguns quiseram ver o que o ódio podia fazer com o país, e por isso todos vimos, todos sentimos, todos sofremos.

Por favor, podemos agora seguir? Podemos dar por satisfeito esse desejo mórbido de ver a destruição, de medir a dimensão da nossa ruína? Podemos tomar por conhecida a barbárie que nos habita, julgar que assimilamos todo o escárnio e o escracho, que já ouvimos suficientes grosserias? Que tal se entendemos de uma vez que a violência é violenta, que a incompetência é incompetente, que um governo doentio é um governo mortífero, um governo de mil maneiras genocida? Que tal se decidimos parar de morrer a cada dia, de doença, de fome, de bala, de angústia, e tentamos recuperar uma sanidade mínima? Que tal se passamos a existir com outro afeto, outro que não o ressentimento e a raiva mortiça? Que tal se optamos agora por começar a reconstruir nosso alquebrado país?

Foi minha obstinação, nestes quatro anos bravios e ensandecidos, nunca esquecer do futuro, nunca esquecer que um dia novo existiria, ainda que se mostrasse turvo e indistinto, não mais que miragem longínqua. Eis então que o futuro ganha um contorno nítido, ganha uma data exata, pode começar neste domingo — ou poucos domingos adiante. E já consigo sentir, como uma multidão de outros, o prenúncio desse grandioso alívio, quase que consigo ouvir o suspiro profundo, o ar saindo de milhões de bocas ao mesmo tempo, e lágrimas molhando milhões de pálpebras, em profusão incontida. Com esse choro coletivo começaremos a limpar a ferida aberta do país, começaremos a lavar esse imenso corpo combalido.

Por vezes imaginar o futuro é condição imprescindível para que ele se realize. Não tem sido fácil ainda vislumbrar um horizonte amplo de utopias, algo que se estenda além do presente tenso e convulsivo, e tudo bem, isso com o tempo saberemos construir. Mas uma imagem imediata se anuncia com força irrefreável, a imagem mais carregada de expectativa, aquela por que tanto ansiamos.

Alguns não a desejarão ver, comprometidos como estão com sua cegueira. Os que desejarem terão o privilégio de assistir ao mais bruto entre os brutos ruir, o mais mentiroso compreender o limite de sua mentira, o mais odioso conceber a derrota do ódio e partir, mesmo que não queira, mesmo que infantilmente resista. Nesse dia tão próximo se farão a história e a justiça, e um homem infame se somará à longa infâmia dos tiranos caídos. Nesse dia tão próximo, talvez neste domingo, estará inaugurado o futuro do país.