O tempo indomável da literatura: quanto leva para escrever um livro?
Para escrever o dia mais longo da história da literatura, James Joyce levou sete anos. Cansado depois do esforço do "Ulisses", pôs a linguagem para dormir e passou dezesseis anos imerso em sonho e delírio, escrevendo a noite de "Finnegans Wake". Tolstói foi mais eficaz, se propôs a narrar quinze anos de "Guerra e Paz" e conseguiu comprimi-los em seis anos de escrita. Proust gastou dois terços da vida sem conseguir escrever, depois partiu "Em busca do tempo perdido" e consumiu seus quinze anos finais na composição de sete vastos volumes. Não lhe foram suficientes: a morte o alcançou antes que ele alcançasse o ponto derradeiro.
Às vezes pensamos que esses são livros eternos porque seus autores levaram uma eternidade para escrevê-los. Ou porque nós nos alongamos infinitamente quando nos decidimos a lê-los, numa entrega laboriosa e lenta que exaure nossa existência. Produz-se na literatura um fetiche do tempo: o objeto que exigiu mais anos em sua confecção provoca a ilusão de ser a obra perfeita, invulgar, refletida em cada aspecto — e talvez o seja. Assim, os melhores livros ainda não escritos passam a demandar de seus futuros autores sacrifício e paciência, algo de que eles nem sempre dispõem, e por isso esses virtuosos livros continuam inexistentes.
Há, no entanto, os impressionantes exemplos opostos, obras escritas às pressas, em prazo exíguo, numa espécie de fervor criativo que assombra até mesmo aqueles que o experimentam. Mary Shelley concebendo o Frankenstein em uma epifânica noite, depois de uma aposta besta, e redigindo-o em parcos meses. Kerouac vertendo palavras num rolo contínuo de papel, em apenas três semanas, como quem caminha em vertigem pela estrada que era seu tema. Kafka metamorfoseando-se em autor em vinte dias, e submetendo de imediato seu grandioso livrinho ao riso incrédulo dos amigos. Mário de Andrade e seu impossível "Macunaíma", escrito em míseros seis dias de ardor e indolência, o autor recostado na rede.
O ofício da escrita então se transforma completamente: o moroso se faz ágil, o pesado se faz leve, a gravidade cede ao humor e à inconsequência. As palavras pairam sobre a página sem tanto lastro, não procuram o lugar perfeito, acomodam-se umas e outras com simpatia e jeito, sem desavenças severas. Escrever deixa de ser uma tarefa árdua, um labor penoso, e se converte em ato febril e alucinado, na aventura de uma busca, no mistério de um achado.
Pensava um pouco nisso tudo enquanto lia "Engenheiro Fantasma", com que Fabricio Corsaletti acaba de ganhar o prêmio Jabuti de livro do ano. Um livro composto por cinquenta e seis sonetos, a um só tempo prosaicos e transcendentes, escritos em nove dias de concentração e devaneio, sem que o autor soubesse bem o que fazia — é ele quem descreve o processo. Um livro em que o poeta inventou não tanto um personagem, mas um autor que o libertasse de si mesmo, valendo-se de um fecundo alter ego, exilando um onírico Bob Dylan em Buenos Aires e encarregando-o de escrever os tais sonetos.
"O tempo sonha quando está parado", escreve o falso Dylan em sua absurda língua portuguesa, observando uma biblioteca argentina. O tempo se detém para que Corsaletti e Dylan possam escrever os seus versos, carregados de "um futuro que é uma espécie de passado", versos que são sobretudo livres apesar das exigências de rima e métrica. "Eu vivo sempre em busca da leveza/ eu sigo cada solo de clarim/ não sei o que é ser bom ou ser ruim/ em cada esquina espreita uma surpresa". Eis a aventura da escrita expressa de forma quase festiva, a escrita que se livra dos ditames do juízo e acolhe a rebelião do insólito, a iminência da surpresa.
Não é preciso se fazer defensor da escrita lenta ou da escrita ágil, cujas diferenças talvez tenham algo de indiferente. O que todos os casos sugerem, no tempo que se dilata em anos ou alucina em dias, é que a escrita pede um estado de entrega, uma imersão duradoura ou súbita, uma aposta firme no desconhecido. As palavras têm um sentido tênue, distraem-se, perdem-se, dissipam-se em impropriedades, quase nunca escapam ao arbítrio. Por isso, quando um autor alcança tal estado de imersão, tal confiança, quando se convence da loucura de que escrever é possível, convém que escreva com urgência máxima, e suporte esse estado o máximo tempo possível.
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