Julián Fuks

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Opinião

Sobre o frágil e incerto futuro, e a necessidade de inventar um ano novo

O que me agrada na estranha convenção de afirmar em uníssono um tempo novo, e de nos abraçarmos no mesmo minuto, e de celebrarmos um efêmero instante com fogos e gritos, o que me agrada, além da festa, é a atenção ao futuro. Nesse átimo é como se o passado se calasse, reduzido a uma listagem de eventos já menos importantes, é como se o presente também submergisse, com todo seu excesso, seu alarde, seu ruído. E então só nos restasse o futuro, frágil, incerto, sem contorno ainda, só nos restasse essa abstração, esse mistério, só nos restasse contemplar o adorável vazio da existência por vir.

A primeira coisa que aprendi, neste ano futuro que apenas começa, aprendi ao revisitar uma página de Blanchot, lendo quase a esmo sobre as sereias. As sereias não encantavam pela perfeição de seu canto, é o que ele diz, um canto estranho e inumano que fazia suspeitar até da inumanidade de todo canto humano. As sereias atraíam porque seu canto não chegava a satisfazer, "apenas dava a entender em que direção se abriam as verdadeiras fontes e a verdadeira felicidade do canto", diz Blanchot. Encantavam porque eram imperfeitas, porque seu canto não passava ainda de uma promessa de canto, um canto por vir, pouco a pouco, embora imediatamente.

Dessa pequena parábola muita coisa se poderia depreender. São muitos os cantos de sereia da nossa época, muitos os falatórios imperfeitos que nos atraem inapelavelmente, muitas as ilusões em que correríamos o risco de nos perder, com júbilo e desespero. Mas como é início de janeiro e ainda me toma esse insensato frescor ante os dias inéditos, esse sentimento de inauguração do mundo, pensei foi no tempo. Pensei no ano novo a me atrair como as sereias, a me fazer mergulhar em seu mar de dias e semanas, a me conduzir em busca de algum fascínio, uma beleza, uma quimera. Por ora, antes da desilusão certeira, sou puro prazer.

O que nos aguarda nos doze meses que se lançarão sobre nós com sua voragem e seu desejo? Com que ilusão podemos esperar que nos mastigue e nos devore o tempo? Esperamos, do ano ilusório que se abre, volúpia ou calmaria, fúria ou clemência? Das incautas previsões que tenho lido, deduzo não mais que oscilação e incerteza. Este ano é mais enigmático que os anteriores, ao menos que os anos recentes, ao menos no país em que escrevo: desta vez não estamos obrigados a predizer a dissipação, o caos, o desmantelo do futuro possível. Essa indefinição é um ganho importante, é já um alento, é mais do que tivemos na última década.

Deve ter sido pela discreta ebulição desses pensamentos que me enfiei num cinema para ver "O Melhor Está por Vir", essa improvável declaração que Nanni Moretti levou ao título de seu novo filme — embora sua tradução literal fale apenas "O sol do futuro". Nele, um cineasta rigoroso e crítico resiste a comprometer seu cinema com uma visão solar do futuro, até que cede. Não cede por um otimismo cego, por uma crença besta, uma fé qualquer. Cede porque afirmar que o melhor está por vir é comprometer-se com o melhor: é inventar um utópico futuro para em seguida invadi-lo, pouco a pouco, embora imediatamente.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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