Julián Fuks

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Opinião

Observações sobre o sentimento do belo e do sublime: o caso Mônica Salmaso

Manuais de jornalismo indicariam que eu a esperasse fazer oitenta anos, noventa, cem. Ou mesmo que deixasse para homenageá-la só na ocasião de sua morte, quando sua voz fosse um silêncio sentido, eco discretíssimo das maravilhas que dela ouvimos. Eis a nossa insensata praxe: guardar a exaltação mais enfática aos ausentes, aos desaparecidos. Mas eu não posso, eu não quero, tenho particular apreço pelo elogio injustificado, despropositado, sem utilidade nem fim. Por isso comemoro neste texto os 53 anos não cumpridos de Mônica Salmaso, ou comemoro as duas décadas que se passaram desde a primeira vez em que a ouvi cantar, numa sala mínima em concentração absoluta, e estremeci.

Nada sei de música, não se lerá aqui o elogio técnico do canto de uma mulher, elogio de uma voz que se converte no instrumento mais sutil, surpreendente e cristalino de uma pequena orquestra, composta só de músicos habilíssimos. Menos que isso, o que tenho a oferecer são palavras que procuram examinar um sentimento, o pasmo e o arrebato diante da aptidão humana, o enlevo que nos toma em face do belo e do sublime. Para não me perder em mais um assunto que não domino, uso como roteiro as palavras seculares de Immanuel Kant, que abriram na filosofia todo um campo do conhecimento.

Kant faz a precisa distinção entre esses dois fenômenos que às vezes confundimos, ou que traduzimos como meros sinônimos. O belo é o que entendemos mais facilmente, o gracioso e aprazível, o que nos alegra e nos pacifica: digamos um prado coberto de flores, um vale com riachos serpenteantes, o exemplo é dele. O sublime também traz algo desse prazer estético, mas atravessado por um espanto, quase por um horror: é a vista de uma montanha cujo cume nevado se ergue acima das nuvens, ou de uma tormenta enfurecida.

Pode parecer que me afastei do assunto da crônica e já não falo sobre Mônica Salmaso, mas confio que não. Ouvir suas músicas é passear entre as cores dos prados floridos, e logo se assombrar ante alturas inconcebíveis ao pensamento, e enfim se encharcar na tempestade densa de sua voz irrepreensível. É oscilar continuamente entre esses afetos, encantando-se com o belo e comovendo-se com o sublime, como queria Kant. É sentir a admiração que nos provoca o grandioso, e também a candura suscitada pelo pequeno, pelo simples, pelo perfeito. Tudo em seu justo equilíbrio, pois cada uma dessas afeições poderia cansar com sua intensidade excessiva.

"A patativa quando canta faz chorar", Mônica canta, e com ela também choramos lágrimas furtivas. "Se não tivesse o amor, se não tivesse essa dor, e se não tivesse o sofrer, e se não tivesse o chorar, melhor era tudo se acabar", Mônica entoa esses versos bem conhecidos e nela acreditamos, exceto que não queremos que nada acabe, nem o amor nem a canção. Mônica pode cantar "mistérios mil que desenterra, enterra", recuperando o velho poema em ecos de Gregório de Matos e revelando a mortal loucura humana. E pode cantar algo muito mais simples, uma "silenciosa casa vazia, mormaço, quase meio-dia, a morena deitou na rede e balança", e é ela a morena que nos embala na rede, agora lânguidos, tranquilos.

Tudo o que ela quer, toda palavra que sua voz toca, ela nos faz sentir. E traz com sua presença também uma graça toda própria, na maneira risonha como conta suas histórias de cantoria, suas anedotas só ligeiramente cômicas, e os desafios que cada letra suscita. Pode haver beleza até em sua maneira de erguer e baixar os ombros, no exato ritmo em que canta "vou que vou", anunciando que vem aí bom tempo. E pode haver algo de assombroso, algo de sublime, quando ela sustenta uma nota por alguns segundos a mais do que imaginaríamos, e é possível vislumbrar a escuridão de sua boca, e o som de sua voz preenche o espaço com uma plenitude inaudita.

"Menina, amanhã de manhã, quando a gente acordar, quero te dizer que a felicidade vai desabar sobre os homens, vai desabar sobre os homens, vai desabar sobre os homens." Esqueça-se a intenção de Tom Zé ao escrever esses versos, sob o rígido regime militar, a denunciar também a imposição da felicidade, a opressão da felicidade. Ouvir essa música na voz de Mônica Salmaso é ser transportado a outra verdade e se deixar convencer de que, sim, amanhã de manhã a felicidade pode desabar sobre os homens. E então senti-la, de maneira sutil, surpreendente e cristalina, sentir a felicidade a desabar sobre o homem de hoje, bem no instante em que a ouve.

Opinião

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** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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