Instruções para votar - sugestões para corpo e ânimo nas eleições por vir
Em quase toda sociedade digna de tal nome, dá-se em algum momento a estranha circunstância de ter de eleger seus governantes. Tal ritual pode ganhar formas bastante diversas, mas há consenso de que se realiza com maior excelência pelo peculiar exercício do voto — ato a um só tempo simples e complexo, cujos resultados por vezes se mostram razoáveis, por vezes previsíveis e banais, por vezes misteriosos e até devastadores. Diante de tão grande variação, talvez valha repassar ainda uma vez suas diretrizes elementares.
Para votar, não é preciso mais que um dedo e o sentimento do mundo. Convém que o eleitor se aproxime à zona, à sala, à urna, com as pernas firmes e a coluna ereta, os ombros nem altos nem baixos demais, e os músculos da face suficientemente relaxados, denotando lucidez e paz. Que respire em profundidade uma, duas, três vezes, absorvendo a importância do instante presente, talvez suspirando ante a iminência do futuro. Que estenda então o dedo em direção à urna, de preferência o indicador — o dedo médio pode insinuar uma revolta discreta, o dedo mínimo, uma esnobe ojeriza ao processo todo.
Antes de escolher um candidato, escolha bem a sua víscera. Convém que não se vote sob influência excessiva do estômago, do intestino, do fígado, do rim. O coração pode parecer um órgão propício para reger tal ato, e de fato em inúmeras ocasiões sua interferência se mostrou benquista, mas não se pode desconsiderar que também esse músculo está sujeito a oscilações e equívocos. Há poucas dúvidas entre estudiosos de que o cérebro é o órgão mais indicado para essa finalidade. Se acontecer de coração e cérebro estarem alinhados numa mesma decisão, pode-se votar com convicção plena. Em caso de desalinho, prefira-se o cérebro.
Quanto às emoções específicas que definem o voto, cumpre não estar movido inteiramente por rancores, raivas, amarguras, aborrecimentos, cóleras, melindres, malquerenças, desgostos. O ódio por si mesmo e pelos outros, que tão logo se traduz em ódio pelo país e deriva na escolha de candidatos destrutivos e odiosos, é um erro comum a ser evitado ao máximo — pelos sabidos riscos que traz ao bem-estar social e à vida em comunidade. Resultados melhores são obtidos por meio de afetos mais amenos e delicados, como a responsabilidade, o respeito, a solidariedade, o cuidado, a compaixão, a empatia, o interesse legítimo pelo bem do próximo.
Não vote com medo, não vote angustiado, não vote espantado, não vote em desespero, não vote em desequilíbrio, não vote confuso, não vote perdido, não vote desamparado. Se ocorrer de estar acometido por algum desses males no momento da votação, tenha o cuidado de suspendê-los por um átimo e de deixá-los a alguns metros de distância da urna, com os demais pertences indesejados. Não vote com seus pertences, aliás, não vote em defesa de seu patrimônio, não vote em defesa de sua honra, não vote em defesa de seus pares. Aceda ao sigilo da urna munido apenas de sua clareza, sua razão e sua serenidade.
Para esta última orientação, não há um consenso absoluto, mas ainda assim ela merece registro e reflexão ponderada. Não vote com desalento ou negatividade excessiva, algum otimismo pode encontrar de fato uma função inesperada. Tendem a ser melhores os resultados quando o voto se rege a um só tempo por um olhar franco e alguma esperança no futuro. Convém mirar em algo melhor do que a realidade tangível, para que o desejo, ainda que inalcançável, exerça o seu efeito benfazejo sobre a concretude da vida.
Se alguma das orientações elementares expostas acima parecer uma afronta ao candidato em mente, recomenda-se refazer a mente e escolher outro candidato.
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