Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Centenário da Semana da Arte Moderna mobiliza artistas indígenas
Há uma mobilização no cenário cultural e editorial para a celebração do centenário da Semana da Arte Moderna, movimento estético e político que buscou a emancipação cultural e reiterar o nacionalismo brasileiro. Em 1922, os sujeitos indígenas não figuraram nesse movimento artístico, nem depois, pois enfrentavam a dura política integracionista que despontava como a promessa da extinção da identidade indígena. Hoje, cem anos depois, os artistas indígenas se mobilizam para que suas vozes sejam ouvidas, seja por meio da pintura, da literatura, do teatro, performance ou da expressão linguística e cultural.
Esse manifesto, de minha autoria, busca dialogar com temas e princípios que o chamado movimento Modernista ensejou na cultura brasileira, mas também serve para mostrar que temos nossos valores, memórias e expressões próprias. E para além disso, que sempre existimos, mesmo sendo ignorados há tanto tempo.
Manifesto da Literatura Indígena Contemporânea
A poesia é dos nossos ancestrais: das árvores, do gavião-rei e todos os animais.
É a poesia do agora.
É a poesia da revolta.
Subversiva.
É a poesia de vôs. De Makunaimî, Anikê e Insikiran!
Dos confederados da Terra.
Continuação de Tamoios.
Agarramos o rabo do século 20 pelas letras do alfabeto latino. Escrevemos para honrar nossos antepassados.
Escrevemos para determinarmos nosso próprio destino.
Autodeterminação.
Basta de desculpas antropofágicas, de boas intenções, cheias de homenagens e inspirações.
Chega de tomar nossas identidades e narrativas, transformadas em espaço de ocupações brancas.
Basta de apropriações.
Queremos autodeterminação!
Somos originários.
A nossa poesia é a do Boto, da Cobra-Grande, do Curupira, do Mapinguari, da Matinta, do Jatxy.
São os encantados que vêm do corpo da floresta para o branco corpo desta pintura-escrita, como diz o poeta vivo Kaká Werá.
Somos vozes da terra. E estamos vivos. Mesmo se morremos, continuamos vivos. Assim foi desde sempre. Desde o tempo dos antigos. E assim é.
Somos Povos, Nações. Quer vocês queiram ou não.
Exaltamos a nossa economia de palavras: bem-viver, floresta, espíritos, mundos, pluriversos, liberdade, soberania, Abya Yala.
Garimpo, exploração e pulverização são palavras que devoram a terra. Queremos outra linguagem, pois nossa língua celebra a terra.
A língua do colonizador sonha o mundo do além-mar, do além-céu, mas nós pertencemos a esta terra.
Não somos estrangeiros! Não vamos nos mudar. Nosso retorno simbólico é aqui, agora.
Políticos demais?
O bom selvagem nunca nos salvou.
A antropofagia nunca nos salvou.
Ou você já viu alguém que é chamado de selvagem e primitivo ser tratado como gente?
Self-determination.
Moquém Surarî
Tupi, Jê, Karib, Aruak, Yanomami
O nosso mundo é do "e" mais "e" mais "e"
Não do "ou".
Autodeterminação
Para dizer que nossas terras não cabem nas topografias do Brasil.
Viva nossos etnoterritórios.
O coma colonial é assim: perverso, implacável, onipresente. Basta!
A nossa resistência é ancestral.
Um poema é indígena quando entoado por um corpo indígena.
Quando escrito por um indígena.
De autoria indígena.
Ameríndio?
Quantas vezes nove vocês vão camuflar a vontade de subserviência?
Nosso corpo reverencia a floresta, não pessoas.
Nossa poesia é semente daquilo que somos. E somos Terra.
Vestimos paraquedas coloridos porque gostamos de cor. Jenipapo, urucum e tabatinga.
Celebramos as cores, os cunhados e os avôs.
O infinito, o projeto, o sonho, é aqui.
Nós somos Abya Yala. Originários. Comunidade.
Poetas.
Netos de Makunaimî!
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