Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
19 de abril: Hoje é Dia dos Povos Indígenas
Hoje, dia 19 de abril, é celebrado o Dia dos Povos Indígenas. Embora a nomenclatura oficial ainda seja "Dia do Índio", instaurado pelo Decreto Lei nº 5.540, de 2 de junho de 1943, o projeto de Lei nº 5.466-B, de 2019, de autoria da deputada federal Joênia Wapichana, que sugere a mudança para "Dia dos Povos Indígenas", traduz o desejo de sermos vistos a partir de nossas coletividades, de nossos povos.
Na justificação do Projeto de Lei, argumenta-se que a mudança na nomenclatura busca ressaltar "não o valor do indivíduo estigmatizado 'índio', mas sim o valor dos povos indígenas para a sociedade brasileira". Nesse sentido, a mudança do nome da data comemorativa é também um convite para a mudança da mentalidade sobre a autonomia dos povos originários, pois é necessário "reconhecer o direito desses povos de, mantendo e fortalecendo suas identidades, línguas e religiões, assumir tanto o controle de suas próprias instituições e formas de vida quanto de seu desenvolvimento econômico".
Importante lembrar que os povos indígenas têm estado na linha de frente da luta ecológica, como disse a jovem Txai Suruí, no discurso da abertura da COP-26, Conferências das Partes sobre Mudanças Climáticas da ONU, em 2021. Ainda, que os povos têm lutado para manter-se com suas culturas, contribuindo, assim, para a diversidade de sociedades no mundo.
"Índio genérico"
Segundo a antropóloga Manuela Carneiro da Cunha, o Diretório do Índio, de Marquês de Pombal, em 1755, incentivou o casamento das mulheres indígenas com os colonos brancos. As famílias resultantes desse "acordo político" foram assumidas como miscigenadas e por isso, os aldeamentos que os povos indígenas habitavam deixavam de ser vistos como indígenas para se tornarem "terras devolutas" do Estado.
Essa "miscigenação" foi pedra angular para a perseguição da identidade indígena em seguida. Se antes o acento era sobre a humanidade, a partir da promulgação da Lei de Terras, em 1850, era rentável não existir mais "índios puros", bem como "índios com pertencimento aos seus povos".
O Brasil decretou a extinção de muitos povos, também conhecidos como grupos étnicos, para que as famílias indígenas e os indivíduos não pudessem mais reivindicar a sua identidade coletiva.
Cristina da Costa Pereira, que estuda os grupos étnicos ciganos, lembra que "enxergar os ciganos como um grupo etnicamente definido é importante, mas temos que compreender como é igualmente relevante vê-los como indivíduos, cada pessoa transcendendo sua maneira de pensar etnicamente definida e considerando sua maneira de pensar individual".
É crucial, assim, entender que a sugestão da mudança do nome de "Dia do Índio" para "Dia dos Povos Indígenas" não busca anular a individualidade, a subjetividade existentes nos sujeitos indígenas, mas exatamente reconhecer essa diversidade de corpos, histórias, memórias e povos; busca reconhecer os sujeitos originários com suas identidades coletivas compartilhando a cidadania brasileira simultaneamente.
No singular e historicamente, o "índio genérico" é aquele que "tem a cara do índio", mas não possui mais povo, território, comunidade, e até cultura. Ele é aquele cujos antepassados já morreram e os mais recentes já "miscigenaram", tornando-se apenas brasileiro, sem direitos políticos originários.
Essa narrativa da miscigenação, porém, é mais uma estratégia para apagar as identidades coletivas dos povos originários. Daí a importância de estudar relações étnico-raciais indígenas para ter noção das lutas que empunharam nossos povos para existir hoje, seja silenciando, negociando e/ou enfrentando ao mesmo tempo as políticas indigenistas de extermínio físico e cultural.
A relatora da PL, a deputada Professora Rosa Neide lembra que o termo generalizante "índio" cumpriu na década de 1970 o papel de unir e dar forças às etnias que lutavam por interesses comuns, porém, "no momento atual remete a estereótipos e preconceitos que fazem parecer homogênea uma população que é diversa - e que merece ter sua diversidade reconhecida e valorizada".
O "índio genérico" nas práticas pedagógicas
Nesses últimos cinco anos trabalhando nas redes observei que as práticas pedagógicas têm reforçado o racismo sobre os povos indígenas. Ao incentivar o uso da identidade indígena como folclore, ou como uma identidade menor que pode ser manuseada como brinquedo, os educadores ensinam que os sujeitos indígenas têm menos valor, e por consequência menos direito à humanidade.
"Índio" no palito, no papelão, dizer que nossos costumes são apenas tomar banho, andar descalços e comer peixe, pinturas no rosto sem referências não são homenagens, são formas de marginalizar ainda mais os povos indígenas. Em vez de exercícios que relacionam os povos indígenas a uma tradição do passado, a sugestão é levar literatura indígena para a sala de aula como uma prática pedagógica descolonizadora, uma vez que ao ler um livro indígena, o professor e os leitores da primeira infância passam a ter contato com nomes de povos, línguas diversas, escritas ancestrais, sobretudo, modos de vida que reverenciam a terra e questões políticas que enfrentamos contemporaneamente. Se as culturas não forem trabalhadas com uma base política, é perigoso os educadores replicarem as noções comuns que nos tratam como se fôssemos genéricos do século 16.
Literatura Indígena
Atualmente são mais de sessenta autores indígenas de diversos biomas e regiões do país. Sem contar aqueles que não publicaram livros editoriais, ou que escrevem poesias e publicam nas mídias sociais. Para encontrar dicas de autores editoriais, obras e gêneros, é possível acessar a curadoria que fiz para o Museu do Índio, em caráter online, intitulada como "I Mostra de Literatura Indígena: território das palavras ancestrais", disponível aqui: Literatura Indígena | Museu do Índio UFU (musindioufu.org). Para adquirir as obras citadas nesse projeto, indico a Livraria Maracá, uma livraria online, especializada em Literatura Indígena: Home - Livraria Maracá (livrariamaraca.com.br)
Jogo de Literatura Indígena - TALIN
O Talin é um tabuleiro de literatura indígena de mímica que tem como objetivo de aproximar as pessoas das obras de literatura indígena. Com curadoria minha, Julie Dorrico, e de Aline Kayapó, e participação da brinquedista Roselaine de Castro Diaz, e Kassiane Schwingel, e Cristina Pozzobon, com financiamento do COMIN, o jogo está disponível online no site do COMIN, que você pode acessar aqui: Talin - tabuleiro de literatura indígena - COMIN.
Plantando sementes
A Lei 11.645 de 2008 torna obrigatório o ensino das culturas afro e indígenas em todo o currículo escolar. Como podemos ver, é possível trabalhar a diversidade cultural contemporânea existente nas salas de aula sem cair na lógica da estereotipação ou desumanização. A leitura da literatura indígena, jogos, e mesmo o uso das cestarias, pinturas, colares feitos pelos indígenas, não pode ser utilizada para exotizar as sociedades indígenas, mas para valorizá-las e aprender princípios ancestrais de bem-viver, tão necessários para a educação e cultura brasileiras.
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