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Lia Assumpção

Uma coisa de cada vez

25/10/2020 04h00

Quando você faz pesquisa e ela vira um mestrado ou um doutorado, costuma-se dizer que você virou especialista no assunto pesquisado. Teoricamente, eu sou especialista em obsolescência programada que é meu tema de pesquisa e que é aquele fenômeno que nos impossibilita de manter um eletroeletrônico velho por falta de peça ou por um conserto caro demais. Ando enfrentando esse problema aqui em casa com meu forno que só fecha graças ao elástico que colocamos em volta dele e que quando escapa, além de desandar o bolo, pode gerar esfoliações leves. A mola da porta quebrou e não tem peça pra trocar. Ele tem mais de 20 anos mas me recuso a trocá-lo: primeiro porque gosto dele e segundo porque essa recusa acabou virando quase uma causa pra mim. Sorte minha que consegui angariar meu marido nela e vira e mexe ele acha alguma ideia na internet, se arma de chave de fenda e alicate e desmonta o fogão na esperança de consertá-lo. Ainda não tivemos sucesso na missão, mas ele virá, eu sei.

Mas, a coluna não é sobre isso, mas sobre o especialista e sobre o caminho que as coisas tomam. Quando eu estudei obsolescência programada, um mundo de assuntos se abriu à minha frente. Consumo/consumismo e lixo eletrônico foram alguns deles. Respectivamente, o consumismo gera lixo e a obsolescência programada gera lixo eletrônico. E tudo isso me levou ao consumo consciente, que é do que se trata essa coluna. Como designer, tento sempre pensar nesse lixo do ponto de vista do projeto, em como é que isso poderia ser evitado. Mas isso tudo se reflete na minha vida, afinal eu consumo também, como todos. E procuro modificar a maneira como consumo a cada coisa que vou descobrindo. O que não quer dizer que atingi todas as métricas para ser uma consumidora consciente plena e nem que me sinto uma especialista no assunto, mas, como o título da coluna anunciou: uma coisa de cada vez.

Tenho uma amiga que emprega sempre o termo especialista, de acordo com esse parâmetro acadêmico que falei lá no início. E eis que ela me perguntou outro dia se eu usava bucha vegetal, já que sou "especialista" em consumo consciente. A primeira etapa da conversa teve a ver com a parte do especialista, que para mim, soa sempre como alguém que sabe tudo de um assunto; e como não me sinto sabendo tudo de um assunto, tenho dificuldade. A segunda parte teve a ver com a bucha, que lamentavelmente eu ainda não uso vegetal. E esse assunto tem me perseguido: vi um post de como as buchas convencionais de plástico demoram uma vida para se decompor e de lugares para descartá-las corretamente porque elas podem ser recicladas, além de um outro outra amiga que não só usa a bucha vegetal, mas como planta a bucha (sim, ela é uma planta! caso não saiba, procure saber, é interessante)… Me prometi mudar este hábito por aqui também mas eis que, confesso, tudo continua na mesma aqui na minha pia, com a bucha amarela. Desculpe.

E o assunto voltou com a pergunta da amiga. E eu entendi que a bucha é uma espécie de portal pra mim. Porque, ainda que eu ache que a coerência é algo difícil de ser alcançado e mantido, se eu trocar a bucha, mas não trocar o detergente, não faz nenhum sentido, não é mesmo? E os produtos de limpeza me levam ao shampoo e ao hidratante e vão puxando cada vez mais itens que eu deveria consumir de maneira diferente (como as bonecas russas que você vai abrindo e tem sempre outra lá dentro).

Eu estava hesitante em abrir a primeira porta, mas eis que ela me ajudou justamente com "calma, uma coisa de cada vez". E sugeriu: e se a gente começasse pelo shampoo? E decidimos testar shampoos em barra que dispensam embalagens de plástico e que vem embaladinhos em papéis recicláveis (não se engane, as vozes a respeito da biodegrabilidade do shampoo ou da efetiva reciclagem do papel ainda ficaram martelando na minha cabeça, mas… uma coisa de cada vez).

A coisa é: uma parte minha é militante e se recusa a trocar o fogão; a outra hesita em mudar um hábito mediante a utopia de que isso deveria ser pensado pelo cara que produz shampoo e que deveria garantir que a sua embalagem seja reciclada (atenção para o verbo no passado) e que seu conteúdo seja biodegradável. A hesitação, na verdade, se dá muito mais pelo pensamento de que se a utilização de produtos com menos impacto é dificultada, terá pouca adesão dos consumidores, o que gerará um impacto, digamos, menor do que minha expectativa idealiza. E sobre isso, a conclusão é que não dá pra ficar esperando a empresa ou a legislação garantir essa eficiência ambiental toda, tem que mudar hábitos de consumo que impactarão na empresa e na legislação em algum momento. E as coisas vão acontecendo sempre meio concomitantemente, é verdade.

Dito isso, comecei por aqui pelo shampoo. No site que ela encontrou o mote é "um shampoo em barra, menos 3 embalagens de plástico no mundo (isso porque ele acaba ficando mais concentrado e a água que estaria lá dentro, está na sua torneira. Várias economias neste parêntesis, não?). Vou testar e uma hora dessas conto como foi a mudança por aqui. Se alguém quiser me acompanhar e me contar como foi a experiência pode ser bom. Depois do shampoo virá a bucha, eu sei. E em seguida os produtos de limpeza. Mas, calma, sem muitas promessas, uma coisa de cada vez.