Produtos concentrados e mudanças no consumo
"Nossas barras sólidas concentram apenas os melhores ingredientes, pois afinal, água você já tem na sua casa". Era essa a frase que vinha na caixinha do shampoo em barra que eu acabei comprando para o experimento a que tinha me proposto na coluna do dia 25 de outubro. Digamos que o texto de hoje é o capítulo 2 dela.
Ela me lembrou uma conversa que tive muito tempo atrás com um moço que estava se preparando para abrir uma empresa de produtos de limpeza e que tinha essa frase aí do começo como lema. Sempre pensei nela quando percorria gôndolas de mercado, ficava ali imaginando quanto de água teria em cada embalagem e o quanto elas poderiam ser menores, se usássemos a água das nossas casas. Quando foram lançados produtos de refil, que muitas vezes são concentrados, fiquei imaginando se esse moço teria conseguido abrir sua empresa e se ela estava tendo sucesso por aí.
Dei uma espiada virtual quando sentei para escrever essa coluna e descobri que ele abriu sim e, que além da redução das embalagens, seus produtos são biodegradáveis, feitos a partir de terpenos, óleos presentes nas plantas, até onde consegui entender. O site deles abre com perguntas (adoro perguntas): será possível desenvolver produtos para limpeza à base de ativos naturais de fontes renováveis? E serão nossos produtos verdes competitivos com os sintéticos em grande escala? Ao longo da nossa trajetória, obtivemos duas respostas: sim e sim!
Reproduzi essas perguntas aqui não pra fazer propaganda deles, até porque não conheço (ainda) seus produtos; mas porque achei muito interessante a pesquisa feita para se chegar a esse ativo biodegradável e também porque essa conversa, ainda que tenha acontecido há muito tempo, me marcou. Fiquei sempre intrigada com essa ideia de gastarmos com embalagem e transporte para vender uma boa parte de água, que poderia não estar ali, pois está na sua torneira. Muitas vezes olho os rótulos das coisas pra ver o quanto de água tem nos produtos e penso nisso...
Mas voltando: produtos concentrados trazem algumas vantagens e um perigo: A economia das embalagens, além da redução no material empregado, é benéfica também no armazenamento e no transporte pois, sendo menores, ocupam menos espaço. Isso, no limite, economiza gasolina pois você precisa de menos viagens para transportar uma quantidade enorme de coisas.
O perigo está no uso de produtos concentrados como se não o fossem. Então você compra um produto mais caro que deveria ser diluído mas você não dilui. Ele vai acabar mais rápido e, se não for biodegradável, você vai jogar muito mais quantidade de produtos químicos na rede de esgoto e isso não é bom.
Aqui entra também uma confusão que pode ser feita entre barato e econômico. Normalmente, produtos concentrados parecem mais caros; lá na gôndola tem um amaciante litrão e, ao seu lado, um saquinho de produto concentrado que você talvez tenha olhado com desconfiança porque ele custa o mesmo preço do litrão, ou talvez mais. Se você olhar com atenção para eles, pode entender que a embalagem pequena, na verdade, tem mais produto do que o litrão (justamente porque tem menos água ocupando espaço).
Mas, voltando à experiência do shampoo em forma de sabonete, conto minhas impressões em 3 momentos:
Impressão 1: coerente
É tudo de papel: caixa, envelope fita adesiva, tudo. Até a almofadinha onde a dupla de produtos vem repousando é um pedaço de algodão cru que vai dali para a composteira (no lugar dela, teriam bolinhas de isopor ou aqueles plastiquinhos infláveis) ou que pode ser usada como bucha antes de ser compostada.
Impressão 2: leve dificuldade
Todo mundo redondo, todo mundo branco, me confundi com o que era creme e o que era shampoo. Dificuldade rapidamente superada pois um fazia espuma e o outro não.
Impressão 3: alguns pensamentos
Enquanto esfregava o shampoo/sabonete no cabelo pensei que era uma outra lógica de usar shampoo (talvez tenha lembrado de quando eu era criança e era tudo ensaboado com o mesmo sabonete). Uma mudança de paradigma, pois penso em algo líquido quando penso em shampoo. Fiquei pensando que isso é um pouco o impasse que vivemos (de maneira mais ampla, no que diz respeito a consumo e métodos produtivos): tem uma mudança de consumo que precisa ser feita e para tanto, por um lado precisamos ter opções sustentáveis, por outro precisamos estar dispostos a mudar hábitos já meio automatizados em nossas vidas. Digamos que o shampoo serve como uma pequena amostra de mudanças de consumo que precisariam acontecer, caso queiramos viver aqui nesse planeta por mais tempo, sem a necessidade de um ar condicionado no centro da terra (contém ironia).
Outro pensamento que nunca desaparece da minha cabeça é: num país tão desigual como o nosso como é que eu falo de shampoo em barra ou em produtos concentrados quando um monte de gente não tem acesso à água? Devo parar de falar disso? De novo, acho que cada um no seu papel e uma coisa de cada vez. E a coisa tem que começar por algum lado. Aproveito para agradecer aos comentários da coluna do dia 25 de outubro, pois eles entram aqui nos meus diálogos mentais me dando alento (ou desafios, às vezes). Também acredito que o caminho da consciência no consumo é um caminho sem volta e que pequenas revoluções diárias podem mudar tudo.
PS: Apesar de os textos que escrevo serem publicados aos domingos, costumo entregá-los, na sexta-feira. Ou seja, o que você está lendo foi entregue na Black Friday. Havia em mim, confesso, um certo arrependimento em não ter falado sobre Black Friday no texto da semana passada, afinal falamos aqui de consumo consciente e essa data pode, digamos, aprofundar convicções? E veja o que aconteceu: como reproduzi no texto de hoje algumas perguntas que tirei do site da empresa de produtos de limpeza, tive vontade de fazer o mesmo com a que fabrica o shampoo que experimentei. Mas eis que entrei no site e ele estava parcialmente fora do ar; tinha um fundo rosa e a frase: ACREDITAMOS QUE AS ESCOLHAS QUE FAZEMOS A CADA DIA SERVEM DE EXEMPLO E INSPIRAM NOSSA COMUNIDADE, E, PORTANTO, O MUNDO EM QUE VIVEMOS. POR ISSO, HOJE, ESCOLHEMOS TIRAR NOSSA LOJA DO AR. Também acredito nisso. E fiquei imaginando (ou delirando) com um futuro (ou presente) em que muitas empresas tirassem suas empresas do ar nesse dia. Então, atrasadamente, fica aqui meu comentário sonhador a respeito da Black Friday.
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