Plante um pé de feijão
Meu filho menor tem pensamento livre; um dia desses a gente estava no carro e, depois de um silêncio enorme, disse: "antes podia tudo, né mãe?". Depois de algumas perguntas pra entender o que ele estava querendo dizer com "antes" e com "tudo", entendi que o pensamentinho tinha percorrido um caminho de leis e regras a respeito das árvores e do trânsito. A ideia dele era que antes podia tirar todas as árvores e não tinham leis de trânsito, mas que agora tinham regras que organizavam carros e impediam desmatamentos. Ainda que tenham passado pela minha cabeça todos os números que acabei de ler em um livro sobre o desmatamento da Amazônia, respondi que sim. A conversa seguiu com perguntas de como é que ele achava que era agora, se ninguém mais tirava árvores e se as pessoas seguiam leis de trânsito; antes de eu baixar uma lousa para, eventualmente, deixar escapar indignações e querer colocar um monte de informações na cabeça de uma criança de 5 anos, ouvi o que ele tinha percebido até aqui (venho tentando aprender esse limite, que pode ser tênue, entre regras e compreensão/apropriação, no que diz respeito a esses pequenos seres que vivem aqui comigo).
Lembrei dessa conversa quando vi o trailer de um filme que trazia essa pergunta: se as crianças não tiverem contato com a natureza, como é que vão se apaixonar por ela e, consequentemente, como é que vão querer cuidar dela?
No meu entendimento, educação (e sobretudo a educação ambiental) tem um tanto de empírico. Com isso quero dizer que a experiência, a informação e sua compreensão (e apropriação) tem papel determinante na educação de maneira mais ampla. Só que na educação ambiental isso talvez possa ser ilustrado mais claramente: colocar uma semente na terra, acompanhar crescer uma planta e depois seus frutos, envolve uma aprendizagem que, de uma certa maneira, dispensa palavras ou legendas. Isso faz com que quem nasce e/ou cresce em contato direto com a natureza tenha uma aprendizagem/compreensão a seu respeito diferente de quem nasce ou cresce distante dela, talvez porque o entendimento de ciclos e sistemas surja de maneira mais direta quando esse contato é mais direto. É muito diferente dizer "se você pegar uma semente e enterrá-la na terra ela brotará", do que você acompanhar isso de perto e encontrar seu pé de feijão morto um dia porque não foi regado ou porque não choveu. (Não sei se você plantou feijões na sua infância, mas eu me lembro dos meus com amor). Mais diferente ainda de você comprar um pacote de feijão no mercado.
Da mesma maneira, se todo lixo que você gera ficasse dentro da sua casa, sua relação com ele seria diferente do que a atual em que você coloca ele porta afora e aquilo deixa de ser seu problema, ou você talvez pense que já fez a sua parte. Nesse caso, não vemos o ciclo completo.
Entendo que educação ambiental faz parte do contexto atual de educação, caminha com ela e, da mesma maneira, tem diversas facetas, para além da preservação da natureza (tem a educação de como produzir dentro de uma lógica circular e não linear; a de uma nova maneira de consumir, entre outras tantas). Muitas são empíricas e acontecem naturalmente desde sempre; outras precisam ser aprendidas ou modificadas. Sendo um tanto redundante, lixo também é um problema relacionado à educação ambiental e ao meio ambiente, afinal estamos todos em cima da mesma bolinha que roda no universo; e tudo que geramos por aqui (feijão, lixo, riqueza ou miséria) não vai pra nenhum lugar, se não aqui mesmo.
Quando penso no contexto da educação do Brasil me questiono da pertinência de falar de educação ambiental num país onde falta educação; me vem uma fala da deputada federal Tabata Amaral quando perguntada a respeito de um possível viés ideológico dentro da educação no Brasil: o problema não é o método que está sendo utilizado mas o fato de não termos método; a discussão pára em infraestrutura ou má formação de professores antes de chegar a qualquer discussão mais aprofundada. Faltam por aqui políticas públicas baseadas em evidências, que na opinião dela, deveriam passar por conhecer a realidade e as pessoas, para além de pesquisas científicas ou números.
Ilustrando essa falta de realidade presente na política e, ao mesmo tempo, a consequência dessa falta (que é a preocupação da pergunta do trailer do filme que falei acima), reproduzo uma notícia da semana passada: O presidente da Caixa, Pedro Guimarães, afirmou que descobriu recentemente que existem pessoas que moram em lixões. (?) "Há três semanas nós visitamos alguns lixões. E o que a gente viu é algo que eu nunca tinha pensado que existisse. Pessoas morando nos lixões, e vivendo no chorume", declarou ele, que acrescentou que isso será mudado.
No caso auspicioso da realidade eventualmente ter de fato faltado pra ele em 2020, ainda teríamos a ficção: a Carminha cresceu no lixão na novela de 2012 (lembram de avenida Brasil?) e o documentário Ilha das Flores é de 1989. E na falta da ficção, teríamos também um tanto de números e pesquisas científicas a respeito. Enfim, a fala somente comprova a negligência com o lixo e com a miséria, porém, disfarçada de desconhecimento. Pra você ver que mesmo quem tem acesso à conhecimento e à educação, às vezes faz mau uso dela.
Se eu me questiono a respeito de falar de educação ambiental num país onde falta educação; como falar disso tudo depois de ler essa notícia? O buraco fica um tanto mais embaixo? De uma maneira mais ampla, a pergunta do anúncio do filme que falei no início do texto, apesar de estar aplicada a um tema específico (desenvolvimento infantil que é do que trata o filme) vale um pouco para tudo, trocando-se elementos, não? Como acabar com a miséria nesse país desigual se não reconhecemos nem mesmo que ela exista? Como resolver o problema do lixo ou do aquecimento global, quando não admitimos que ele seja um problema de todos?
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