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Só revolução no consumo pode frear desperdício de comida no mundo
A soma dos resíduos alimentares no mundo chega a 931 milhões de toneladas, segundo o mais recente levantamento global feito pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, o PNUMA, lançado no último dia 4 de março. "Se a perda e o desperdício de alimentos fossem um país, ele seria a terceira maior fonte de gases de efeito estufa", escreveu a economista e ambientalista dinamarquesa Inger Andersen, diretora do programa da ONU, na apresentação do estudo.
Além do total assustador, que equivale a 17% de tudo que é produzido no planeta, um dos dados mais importantes do documento "Índice de Desperdício de Alimentos 2021" é que o desperdício doméstico é o maior. O peso é o de 23 milhões de caminhões de 40 toneladas.
Quase 570 milhões de toneladas do total jogado fora provém dessa fonte, ou 61%. O restante fica para as perdas em serviços de alimentação (26%) e varejo (13%). Dá para dizer que da produção total do planeta, 11% é desperdiçado após a compra do alimento.
O desperdício de alimentos agrava a insegurança alimentar e sobrecarrega os sistemas de resíduos, sendo um dos principais geradores para as três crises planetárias: mudanças climáticas, perda da biodiversidade e poluição. Segundo a ONU, em 2019 havia 690 milhões de pessoas afetadas pela fome e mais 3 bilhões de pessoas incapazes de custear uma dieta saudável.
Na América Latina, as projeções para 2020 são dramáticas. De acordo com o último Panorama Social da América Latina da CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe), a pobreza e a extrema pobreza alcançaram níveis superiores aos observados nos últimos 20 anos devido à pandemia da covid-19 e apesar das medidas de proteção social emergenciais que os países adotaram. A estimativa é que em 2020 a taxa da extrema pobreza se situou em 12,5% e a taxa da pobreza atingiu 33,7% da população.
No contexto de crise econômica mundial do pós-covid, o desperdício de alimentos é ainda mais chocante. O relatório do PNUMA revela uma média global de 74 kg per capita de alimentos desperdiçados a cada ano e, outro dado considerado fundamental, é que essa média é bastante semelhante em países de renda média baixa e países de alta renda. No Brasil, a perda anual é de 60 kg por pessoa e o total do país foi de 12.578.308 toneladas em 2019. Os números brasileiros têm um grau de confiabilidade médio, segundo o estudo.
Os relatórios anteriores sobre desperdício alimentar consolidaram um entendimento de que nos países desenvolvidos o desperdício maior estava concentrado no consumo e, nos países em desenvolvimento, as perdas eram decorrentes, na maior parte das vezes, de problemas na produção, no armazenamento e nos transportes. Este último relatório aponta que as estimativas anteriores do desperdício no consumo eram subestimadas.
"Embora os dados não permitam uma comparação robusta ao longo do tempo, o desperdício de comida do consumidor (somando família e serviço de alimentação) parece ser mais do que o dobro da estimativa anterior da FAO (Food and Agriculture Organization)", aponta o relatório.
O estudo diz que embora não existam informações detalhadas e suficientes sobre a fração comestível da comida desperdiçada para análises comparativas por grupo de renda, há desperdício total de comida suficiente nos países mais pobres para estratégias alimentares de combate ao desperdício e à produção crescente de resíduos.
Os dois dados - concentração de perdas no consumo doméstico e média semelhante no mundo todo - indicam, segundo o PNUMA, que ações sobre o desperdício de alimentos dirigidas ao consumo familiar são igualmente relevantes em qualquer parte do planeta, seja qual for a tradição alimentar.
Para mudar o quadro, só uma revolução planetária nos hábitos de aquisição, preparo e uso dos alimentos. "Precisamos abordar o papel do comportamento do consumidor em todos os contextos culturais para alcançar o alvo", afirma Inger Andersen, na carta de apresentação do estudo. "Vamos todos fazer compras com mais cuidado, cozinhar de forma criativa e tornar o desperdício de comida socialmente inaceitável em qualquer lugar, enquanto nos esforçamos para fornecer dietas saudáveis e sustentáveis para todos".
Dizer que a mudança no comportamento individual ou doméstico é condição essencial não significa, claro, que seja questão de foro íntimo, ou que cada um cuide de si ou faça a mudança que quer para o mundo e bola para frente. Isso não é suficiente, embora seja necessário reduzir o superconsumo, preferir alimentos sazonais, abolir os ultraprocessados, privilegiar produtos da agricultura familiar e orgânica e os fornecedores locais para favorecer as cadeias de ciclo curto, aprender a usar todas as partes dos alimentos para as preparações e compostar sobras, de preferência na própria casa, além de exigir boas práticas antidesperdício e transparência na cadeia de produção nos estabelecimentos que fornecem refeiç&otild e;es e vendem alimentos.
Políticas de agricultura, indústria e comércio, empresas, sociedade organizada e governos têm de se engajar para encampar a agenda que está consolidada no Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 12.3, que é o de reduzir pela metade a perda no varejo e no consumidor para reduzir a perda de alimentos nas cadeias de abastecimento até 2030.
O relatório da UNEP se apresenta como ferramenta para facilitar que os países avancem para o progresso no ODS 12.3 de duas formas: A) por apresentar análise e coleta de dados de resíduos alimentares mais abrangentes até o momento, gerando uma nova estimativa global; B) por propor uma metodologia para os países medirem o desperdício em nível doméstico, dos serviços de alimentação e do varejo, a fim de acompanhar os progressos nacionais. Os países que usarem a metodologia irão gerar dados para orientar estratégias de prevenção e estimativas que possam detectar mudanças em intervalos de dois ou quatro anos, o que permitirá comparações e metas.
A medição de resíduos alimentares requer recursos e tempo, diz o estudo. Mas com coleta de dados precisa e bem distribuída, com tecnologias de varredura das cadeias de produção e consumo, é possível rastrear gargalos e construir estratégias de combate às perdas, economizar dinheiro, melhorar a segurança alimentar, reduzir impactos ambientais e converter processos na direção da economia circular.
O relatório faz parte das estratégias para a realização da Cúpula de Sistemas Alimentares, que acontece em setembro de 2021. A Cúpula pretende gerar ações e progresso mensurável em direção à Agenda 2030, com a identificação de soluções e líderes, e no lançamento de um apelo à ação em todos os níveis do sistema alimentar, incluindo governos nacionais e locais, empresas e cidadãos.
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