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O Brasil é terra indígena!
"Nossa história não começa em 1988", diz o chamado da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) para a movimentação que acontece desde o último dia 22 em Brasília. Segundo a Apib, mais de 6 mil indígenas de 170 etnias estão mobilizados no acampamento "Luta pela Vida" para acompanhar o julgamento que pode decidir o futuro das demarcações no país. "É a maior mobilização indígena desde a redemocratização do Brasil", disse Sonia Guajajara, da coordenação da Apib.
O movimento quer pressionar o Supremo Tribunal Federal (STF) a não aceitar a tese do marco temporal para uma decisão pontual sobre disputa de terra que repercute e ameaça o reconhecimento dos direitos dos povos originários à terra. O tema está na pauta da semana no STF.
O caso atual é uma ação de reintegração de posse movida pelo governo de Santa Catarina contra a demarcação da Terra Indígena (TI) Ibirama-Laklãnõ, onde vivem Xokleng, Guarani e Kaingang, com base no marco temporal.
O processo ganhou, em 2019, o status de "repercussão geral": a decisão servirá de diretriz para o governo federal e a Justiça em todos os procedimentos demarcatórios. Não é força de expressão dizer que o julgamento afetará o futuro de todos os territórios indígenas do Brasil.
A adoção do marco temporal é um ataque ao direito constitucional dos povos nativos ao território e à manutenção de suas culturas. Coloca as populações originárias em vulnerabilidade maior do que a atual.
Existem hoje no país 434 terras ocupadas tradicionalmente e demarcadas e 30 processos de demarcação parados no Ministério Público Federal à espera dessa definição do STF.
De acordo com a tese do marco temporal, só seria passível de demarcação a porção de terra que tenha comprovadamente sido ocupada por indígenas até 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição.
De onde veio isso? O marco decorre de um processo de 2009, quando o STF julgou conflito entre indígenas e agricultores sobre o direito à Terra Indígena (TI) Raposa Serra do Sol, em Roraima, uma das maiores do país, com 1,743 milhões de hectares.
Na ocasião, na análise do tema, o STF entendeu que os indígenas tinham direito à terra porque estavam na região quando foi promulgada a Constituição de 1988 já que, em seu artigo 231, a Carta reconhece aos índios os "direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens".
O caso criou o precedente ou jurisprudência para outros julgamentos e por isso o marco temporal é chamado de "ironia dos juristas" pelo coordenador da Apib Alberto Terena.
Pois a "ironia dos juristas" pode ser cristalizada pelo PL 490, de 2007, que já passou pela Comissão de Constituição e Justiça, podendo ser votado no plenário da Câmara. Por isso a importância da decisão atual do STF.
Além de estabelecer que só serão consideradas demarcáveis as terras indígenas ocupadas até o dia 5 de outubro de 1988, o PL proíbe a ampliação das reservas indígenas já existentes e abre espaço para atividades econômicas nas áreas demarcadas sem a necessidade de consulta às populações que habitam a região.
Ficariam permitidas a exploração hídrica, energética, a mineração e o garimpo, o cultivo de plantas geneticamente modificadas, a expansão de estradas, a entrada e permanência das Forças Armadas e da Polícia Federal.
Por consequência, se aprovado, o PL 490 coloca em risco parte importante da base de proteção ambiental do país. Tira o resguardo aos povos isolados e a garantia de reservas de biodiversidade, cobertura florestal e recursos hídricos que são hoje mantidos pela ocupação menos intensiva.
Na segunda, 23, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), da Organização dos Estados Americanos (OEA), e o relator especial da ONU sobre os direitos dos povos indígenas, Francisco Cali Tzay, manifestaram-se contra o marco temporal.
O relator da ONU disse que a aceitação do mecanismo pelo STF pode "legitimar a violência contra os povos indígenas e acirrar conflitos na floresta amazônica e em outras áreas".
A CIDH afirmou que o marco temporal contradiz as normas internacionais e interamericanas de direitos humanos, porque não leva em consideração "os inúmeros casos em que os povos indígenas foram deslocados à força de seus territórios, muitas vezes com extrema violência, razão pela qual não estavam ocupando seus territórios em 1988".
No site da Apib, o texto que apresenta o acampamento "Luta pela Vida" acaba assim: "Somos 6 mil em Brasília, e representamos todos e todas as parentes que seguem na luta em nossos territórios. Somos 6 mil que representamos os milhões de ancestrais que foram apagados da história. Somos 6 mil que representamos o futuro dos povos indígenas do Brasil!"
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