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Mara Gama

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

99% do mundo respira poluição; cortar combustíveis fósseis é urgente

Getty Images
Imagem: Getty Images

07/04/2022 06h00

Dois importantes conjuntos de dados divulgados nesta semana apontam para a urgência do corte radical no uso de combustíveis fósseis e para a forma como os danos ambientais atingem de forma desigual o globo. Combater as mudanças climáticas exige justiça climática e distribuição de recursos.

O novo relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) desenhou o que precisa ser feito e deu a letra: o mundo tem 30 meses para que as emissões globais de gases de efeito (GEE) estufa comecem a cair. O crescimento das emissões deve terminar antes de 2025 para manter o aquecimento global abaixo de 1,5°C. Caso contrário, perde-se a chance de evitar os piores impactos da crise climática. A reversão exige cortes imediatos e profundos nas emissões em todos os lugares.

Proteger e restaurar a natureza pode proporcionar cortes em larga escala nas emissões ao acabar com a destruição de florestas, e deve envolver as populações tradicionais, que são suas melhores guardiãs, mas não compensa o atraso no corte da queima de combustíveis fósseis ou atalhos duvidosos como, por exemplo, a troca por gás natural.

O IPCC também aponta a desigualdade do aquecimento global. Apenas 10% dos domicílios com as maiores emissões per capita contribuem com até 45% das emissões globais baseadas no consumo. Os norte-americanos têm uma pegada de CO2 de quase 20 toneladas por ano, enquanto africanos têm menos de cinco toneladas.

Um futuro líquido zero pode ser alcançado, diz o IPPC, mas são necessárias políticas que retirem as pessoas da pobreza. E para isso, os investimentos climáticos teriam de ser de três a seis vezes o que são hoje.

A Organização Mundial da Saúde também acaba de divulgar o mais extenso levantamento já feito sobre a poluição do ar, com resultado terrível: 99% da população mundial respira ar poluído, um aumento de quase seis vezes do que foi registrado no início da medição, em 2011. A OMS estima que mais de 13 milhões de mortes anuais resultam de causas ambientais evitáveis, sendo que 7 milhões são devido à poluição do ar.

Pela primeira vez, a pesquisa fez medições terrestres de concentrações de poluentes que derivam da queima de combustíveis fósseis: dióxido de nitrogênio (NO2), poluente urbano comum, e material particulado fino, com partículas com diâmetros iguais ou inferiores a 10 ?m (pm10) ou 2,5 ?m (pm2,5). O material particulado atinge a corrente sanguínea e causa impactos cardiovasculares, cerebrovasculares (AVC) e respiratórios. O dióxido de nitrogênio é associado a doenças respiratórias, principalmente asma.

A desgraça, claro, é desigual. Ao todo, 117 nações monitoram a qualidade do ar. Nos países de alta renda, os parâmetros de particulados estão aceitáveis em 17% das cidades. Nos de baixa e média renda, a qualidade do ar está de acordo com o recomendado em menos de 1% das cidades.

No ano passado, a organização já havia tornado mais rigorosas as Diretrizes de Qualidade do Ar. Agora, no lançamento do relatório, ela defende que os países implementem padrões de qualidade nacionais, aprimorem seus monitoramentos e identifiquem fontes de poluição. A OMS alertou ainda para a urgência em reduzir o uso de combustíveis fósseis, acelerar a transição para sistemas de energia mais limpos e saudáveis e promover controles e ações para baixar os níveis de poluição do ar.

Para conter o avanço da poluição, a OMS elenca algumas medidas:

  • uso exclusivo de energia doméstica limpa para cozinhar, aquecer e iluminar;
  • investimento em habitação com eficiência energética e geração de energia;
  • sistemas de transporte público seguros e acessíveis e trajetos para pedestres e ciclistas;
  • padrões mais rígidos de emissões e eficiência dos veículos, com inspeção e manutenção obrigatórias ;
  • melhorar a gestão de resíduos industriais e municipais;
  • reduzir a incineração de resíduos agrícolas, incêndios florestais e atividades agroflorestais como a produção de carvão.

Tanto o relatório do IPCC quanto o levantamento anual da OMS mostram que não faltam dados, conhecimento científico ou opções tecnológicas para agir sobre a crise do clima. Faltam vontade política e investimento orientado para cortar o uso dos combustíveis fósseis, que têm um dos lobbies mais poderosos do planeta, e trazer bem-estar para toda a população.