Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Antídoto científico contra o negacionismo mascarado do agronegócio
Durante o mês de julho, o Instituto Serrapilheira convidou colunistas a cederem seus espaços na mídia para formuladores de políticas públicas, cientistas, jornalistas e intelectuais escreverem sobre o papel da ciência na reconstrução do Brasil, na campanha #ciêncianaseleições. Este espaço foi cedido para um texto de Giovana Girardi, jornalista de ciência e meio ambiente e apresentadora do podcast Tempo Quente.
Imagine que você é um produtor rural e se vê diante de três afirmações: 1) as mudanças climáticas associadas ao crescente desmatamento da Amazônia estão reduzindo as áreas ideais para o cultivo de soja e milho; 2) as regiões mais desmatadas da Amazônia já sofrem uma redução de chuva equivalente à perda de vegetação; estão mais quentes e emitindo mais carbono que absorvendo; 3) nosso agronegócio é o mais sustentável do mundo; temos as leis mais rigorosas, somos campeões em conservação e está tudo certo.
Em qual delas você acreditaria? Ou melhor, em qual delas você preferiria acreditar?
Você até pode estar sentido em seu dia a dia as duas primeiras, ou talvez já tenha ouvido falar delas, mas desconfio que a terceira foi a mais martelada na sua cabeça. Ela é muito mais confortável. Quem não ia preferir essa versão? Mas, se você já estiver sentindo o problema na pele - no campo, no bolso -, faz sentido se fiar nesse conto de fadas?
O Brasil nunca teve um negacionismo climático escancarado como nos Estados Unidos, financiado pela indústria dos combustíveis fósseis. Por aqui, até poucos anos atrás, só figuras obscuras e quase anedóticas negavam o aquecimento global - o consenso científico e a orientação de políticas públicas não estavam sob ameaça.
Mas a situação é um pouco mais complexa que isso: a gente também tem um negacionismo próprio. Não me refiro àquele que ficou evidente na pandemia, mas ao que diz respeito ao papel da agropecuária no desmatamento da Amazônia e do Cerrado, e nas emissões de gases de efeito estufa do país. Amparado pelo lobby do agronegócio, esse negacionismo vem sendo amplamente disseminado nos últimos anos e usado como justificativa para a inação e o desmonte ambiental.
Ao longo de mais de um ano, ao produzir o podcast Tempo Quente, ouvi esse discurso por todo lado: do deputado em Brasília ao empresário em Santarém; do prefeito em Itaituba ao presidente da República em Nova York; do general quatro estrelas ao cientista controverso que ganhou status de especialista. É a mensagem que está na propaganda oficial do Ministério da Agricultura e também na propaganda da televisão.
Não está tudo certo. As estatísticas de desmatamento deixam claro. A crise hídrica que quebrou a safra de várias culturas no ano passado e no começo deste ano deixa claro. Você não precisa acreditar na ciência para sentir as evidências que ela está revelando, mas é a ciência que pode te ajudar a sair dessa, acreditando você nela ou não.
Não é de hoje que pesquisadores mostram as possibilidades agrícolas para aumentar a produtividade, evitar o desmatamento e reduzir emissões. A agricultura de baixo carbono nasceu da ciência. Assim como os cultivares mais resistentes a condições climáticas mais extremas e estratégias para promover a resiliência da agricultura. Mas se você não acredita na existência de um problema, por que adotar tais estratégias?
Bem, você até pode optar por essas técnicas simplesmente porque elas também acabam sendo mais lucrativas. E aí você nem precisa acreditar na ciência para se beneficiar do que ela descobriu.
Mas a verdade é que para alcançarmos a necessária reconstrução do Brasil, essas práticas precisam virar política pública. E isso só vai acontecer se a gente fortalecer o lobby da ciência e do ambiente. Se tiver representantes políticos - na presidência, nos Estados, no Congresso - que escutem a ciência. E que entendam que se seguirmos no rumo atual, mesmo quem está ganhando com a degradação vai perder num futuro bem próximo. Todos vamos perder. Mas ainda dá tempo de mudar.
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