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Berço das águas e savana mais diversa do planeta, Cerrado pede socorro
Um incêndio que começou na segunda (5) já destruiu mais de 130 hectares do Parque Nacional de Brasília. O parque protege as bacias dos córregos que formam a represa Santa Maria, que fornece 25% da água potável para o Distrito Federal. Brasília está em alerta vermelho, sem chuvas há 120 dias, e a seca só deve acabar no fim do mês. Goiás tem oito municípios em estado de emergência pelos incêndios florestais. Metade deles está na Chapada dos Veadeiros, que concentra a maior reserva de Cerrado nativo do mundo.
O incêndio na capital do país, infelizmente, é mais um entre tantos que atingem o segundo maior bioma da América do Sul e que cobre aproximadamente 24% do território brasileiro, com 2 milhões de km².
O Cerrado é considerado a savana mais biodiversa do planeta, em fauna e flora. Tem 2,5 mil espécies de animais e 12 mil espécies de plantas. Também abriga as nascentes de oito principais bacias hidrográficas do país, sendo fundamental para a manutenção do equilíbrio hidrológico do Brasil. Apesar do clima semiárido e de épocas de escassez hídrica, as águas das chuvas que penetram no solo da região abastecem aqüíferos e nascentes. Mesmo com essa riqueza, apenas 8,2% de sua área é protegida por unidades de conservação, segundo o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
Nos primeiros cinco dias de setembro, houve 2.810 focos de queimada detectados no bioma, número 106% maior que o do mesmo período do ano passado. No total do ano, até dia 5 de setembro, foram detectados 30.959 focos de queimada no Cerrado, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Baixa umidade, ações criminosas, acúmulo de vegetação seca - por falta de manejo correto, também dependente das ações humanas- e o fenômeno La Niña favorecem a propagação do fogo.
O fogo é um elemento natural, mas as ocorrências em maior intensidade e mais frequentes impedem o ciclo de regeneração da floresta, causando a perda de biodiversidade. Com escassez de plantas, acabam as fontes de alimento para os bichos e o desequilíbrio avança.
As queimadas agravam a situação já alarmante do bioma que tem histórico de grilagens e desmatamentos ilegais e já perdeu 45,4% de sua vegetação original segundo o MapBiomas. O Matobipa, região que compreende as fronteiras dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, é a área mais ameaçada pela expansão da fronteira agrícola para implantar monoculturas voltadas à exportação.
Os dados do Sistema de Detecção de Desmatamento (Deter), do Inpe, apontam que o Cerrado perdeu 4.091,6 km² de sua cobertura vegetal entre janeiro e julho de 2022, alta de 28,2% em relação ao mesmo período de 2021.
Em junho, o Ministério da Justiça anunciou a segunda edição da operação Guardiões do Bioma que atua também no combate ao fogo, com 1.800 agentes da Força Nacional e mais 3 mil brigadistas do ICMBio e do Ibama.
Para cobrir toda a área, o número de profissionais destacados é claramente insuficiente. Além disso, faltam ações coordenadas para a prevenção de queimadas, o combate ao desmatamento e o manejo sustentável, fatores que são apontados de forma recorrente por cientistas e ambientalistas.
O governo deveria investir mais ações de preservação e em ter uma articulação eficaz com os Estados e municípios. O desmonte dos órgãos ambientais nos últimos anos colabora para fragilizar o combate, pois Ibama e ICMBio deveriam ter mais braços e verbas para essas operações.
Por todas essas deficiências, o trabalho dos grupos de brigadistas voluntários, formados por guias, professores, pesquisadores e moradores da região é importante no combate aos incêndios. A atuação local garante agilidade e rapidez nas ações. Além disso, muitas denúncias de incêndios são feitas diretamente para os voluntários pela população, especialmente em locais distantes dos grandes centros urbanos e fora das áreas de conservação e parques.
Para apoiar as brigadas voluntárias, organizações como a Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza, o Instituto humanize, o Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB) e a Nature Invest estão lançando a campanha Defensores do Cerrado no próximo dia 11 de setembro, dia nacional dedicado ao bioma.
A campanha pretende engajar mais empresas e obter verbas para patrocinar equipamentos, promover a formação e manter ferramentas para o combate ao fogo das associações de voluntários brigadistas que atuam principalmente no nordeste goiano.
Segundo André Zecchin, biólogo e coordenador da Reserva Natural Serra do Tombador, localizada em Cavalcante (GO) e mantida pela Fundação Grupo Boticário, o trabalho das brigadas voluntárias é fundamental, pois além de aumentarem o efetivo das brigadas federais e estaduais, elas cumprirem papel na sensibilização e no engajamento da sociedade.
Na região onde atua, na Chapada dos Veadeiros, as principais causas dos incêndios são práticas agropastoris como a limpeza de pastagens. Ali existem hoje quatro grupos de voluntários com 150 brigadistas, entre combatentes e pessoal de apoio. Mas faltam recursos para pagar alimentação, combustível, aquisição e manutenção de equipamentos. "Muitas não têm veículos próprios para ações de campo e os brigadistas usam seus veículos particulares", conta Zecchin.
Também para alertar sobre o estado atual e defender um futuro melhor para o Cerrado, mais de 56 organizações e movimentos sociais, comunidades indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais, integrantes da Campanha Nacional de Defesa do Cerrado, se reuniram para elaborar uma carta-compromisso. O documento está sendo entregue a candidatas e candidatos aos cargos do Executivo e Legislativo federal e estaduais.
"Se nada for feito pelos próximos governos, em menos de três décadas as novas gerações não conhecerão o pequi, buriti, a cagaita, o coco babaçu, rios, nascentes, brejos, veredas, e tantas outras riquezas presentes nessa região tão esquecida, mas de grande importância estratégica mundial, onde estão localizados dois dos principais aquíferos brasileiros - o Urucuia e o Guarani", diz a carta-compromisso.
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