Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
O agro não é verde mas quer financiamentos do clima, diz estudo
Um estudo lançado nesta semana disseca o discurso do agronegócio no Brasil e vê uma crescente preocupação em vender a imagem da sustentabilidade nos últimos anos, após o Acordo de Paris, de 2015.
Produzido pela ONGs Fase e De olho nos Ruralistas, o levantamento analisou entrevistas e publicações de 49 associações e focou nas 13 entidades em que há uma incidência maior de temas da agenda climática global. A conclusão do estudo virou o seu título: "O agro não é verde".
Exigências de garantias pelos mercados europeus, principalmente, têm motivado ações e posicionamentos de grandes empresas como os frigoríficos, grandes produtores e exportadores da soja e do setor de celulose, a exemplo do que fazem os integrantes do chamado ABCD -ADM, Bunge, Cargill e Louis-Dreyfus-, as quatro maiores do agronegócio no mundo.
No Brasil, as associações que mais falam das mudanças climáticas têm em comum a disputa por financiamentos globais, a partir da lógica - já considerada simplista e ultrapassada no debate mundial sobre responsabilidade e justiça climática- de que os países do primeiro mundo têm obrigação de financiar qualquer avanço da transição verde dos países em desenvolvimento. Essa lógica vem sendo questionada mais fortemente depois que a ciência comprovou que os desmatamentos são grandes geradores dos gases do efeito estufa, responsáveis pelo aquecimento global.
Um segundo ponto forte do discurso do agro é a ideia de que a agropecuária brasileira é a mais sustentável do mundo. Esse mote é vinculado à defesa do Código Florestal brasileiro, de 2012, como se ele fosse aplicado de forma correta e fosse garantia infalível de boas práticas ambientais e sociais nas cadeias de suprimentos dos insumos e produtos. Assim, seguindo essa mesma lógica, qualquer demanda vinda dos mercados consumidores das commodities brasileiras no exterior teria de ser financiada por esses mercados.
"O setor agropecuário se escora no Código Florestal, nos seus mecanismos de reserva florestal, nas APPs (áreas de preservação permanente), porém, os planos de recuperação ambiental, que já deveriam estar em execução, não avançaram no Brasil", diz Bruno Bassi, coordenador de pesquisa da De Olho nos Ruralistas e um dos autores do estudo. Segundo ele, o código não foi implementado no Brasil. "Enquanto já são discutidos mecanismos de aprimoramento do mercado de compensações, como títulos de carbono, o agronegócio sequer fez sua parte de recomposição de reserva legal", afirma.
Apesar dessas contradições internas visíveis, esse discurso verde tem tido ressonância, segundo Bassi. "Boa parte do dinheiro que tem circulado vem para iniciativas de frigoríficos e demais empresas do setor, de fundos de cooperação internacional para financiar metas de sustentabilidade", diz.
"Ou seja, os frigoríficos continuam captando recursos para eliminar algo que eles já deveriam ter feito a partir dos TACs da carne". Os TACs (termos de ajustamento de conduta) da carne são acordos firmados desde 2009 entre frigoríficos paraenses e Ministério Público Federal para evitar a compra de gado bovino de fazendas do Pará onde foi comprovado o desmatamento criminoso, ou em Terras Indígenas, Unidades de Conservação ou com o uso de trabalho escravo.
Segundo esses termos, para vender aos frigoríficos, os produtores deveriam ter imóveis incluídos no Cadastro Ambiental Rural, planos aprovados para regularização ambiental e respeitar a legislação trabalhista. O objetivo era forçar a redução do desmatamento e modernizar a cadeia produtiva da agropecuária. Apesar de alguns avanços, os objetivos não podem ser considerados atingidos.
O uso desse argumento que a agropecuária brasileira é a mais sustentável do mundo avançou no governo atual, segundo Bruno, principalmente com o ex-ministro do meio ambiente, Ricardo Salles, mas segue na gestão atual, de Joaquim Leite, com os planos do mercado de carbono e outras políticas que avançam na "financeirização dos recursos naturais", que não contabilizam a perda de diversidade nas suas pretendidas compensações ambientais.
"O discurso verde do agro ignora a realidade fundiária brasileira, de grande concentração e desigualdade, com 1% dos maiores proprietários concentrando mais de 40% dos estoques de terra", diz Bassi. A desigualdade não é só territorial, mas diz respeito aos recursos públicos. A produção de pequena escala é responsável pela maior parte da alimentação dos brasileiros. "No entanto, o plano safra desse ano, o maior da história, dos mais de R$ 300 bilhões, destinou apenas R$ 57 bilhões para a agricultura de pequena escala. Todo o restante vai para os proprietários que já estão inseridos no mercado global de commodities", afirma Bassi.
"O agro brasileiro não é verde", diz. "Primeiro, por estar baseado na monocultura para exportação, em grande parte para alimentação de rebanhos de outros mercados", afirma. "Segundo, pelo altamente expansionista, que exige a tomada de mais territórios para se manter, do ponto de vista financeiro, pois a produtividade geral é muito baixa. Por último, pela ampla utilização de agrotóxico, na destruição da biodiversidade e da consequente necessidade de suplementar o solo - e daí vem a dependência de fertilizantes que gerou o aumento do custo de alimentos durante a guerra da Ucrânia".
"Tudo isso gerou um modelo que é altamente dependente, que consome muito mais recursos do que gera para a economia, tanto em empregos como em impostos. Na ponta do lápis, é um modelo que é sustentado pela população brasileira para gerar lucro para poucos atores econômicos", analisa Bassi.
Segundo ele, o modelo se mantém pela ocupação da política institucional, tanto pela bancada ruralista quanto pela atuação direta nas Assembleias Legislativas e nas Câmaras de Vereadores dos municípios.
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