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Mari Rodrigues

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Impossível defender padre Kelmon; E possível criticar o feminismo de Tebet

Colunista do UOL

24/09/2022 21h02

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Até o momento não quis entrar no assunto da disputa eleitoral deste ano, limitando-me a tratar de assuntos que considero importantes sob um ponto de vista mais geral. Mas o debate presidencial deste sábado me trouxe uma reflexão que queria fazer com vocês.

Vejo Padre Kelmon, do PTB, uma daquelas peças folclóricas que aparecem em toda eleição, questionar a candidata Simone Tebet, do MDB, se ela se declarava "abortista" pelo puro e simples fato de se declarar feminista. Tebet, em sua primeira frase, disse que há vários tipos de feminismos e é interrompida pelo padre falastrão; ajudada pela moderação do debate, retoma a palavra, não sem criticar a interrupção irregular, e declara-se cristã e contra o aborto.

Há um campo riquíssimo de coisas que posso explorar aqui.

Comecemos pelo ponto principal aqui debatido: Kelmon, um homem, define morais e postulados sobre os direitos reprodutivos de mulheres e ainda coloca palavras na boca de uma mulher e desrespeita seu local de fala. Vê-se claramente um pensamento tacanho criado pelo patriarcado desde que o homem enganou a seleção natural, pensamento este apoiado pela igreja ao longo dos séculos: o de que a mulher não é responsável por si mesma, e precisa ser tutelada pelo homem, pela igreja, pelo Estado... Nunca ela deve declarar-se dona de seu próprio corpo e de suas próprias atitudes.

O segundo ponto é sobre os vários feminismos existentes: Tebet acertou em dizer que o feminismo não deve ser pauta exclusiva da esquerda, e, sim, de todas as mulheres, que devem estar conscientes de seus direitos e de como podem gerir o seu corpo; errou em deixar subentendido que o único feminismo "aceito" é o "cristão", que, tomado pelo pensamento tacanho da igreja, subjuga as mulheres a aceitarem uma vida miserável e submissa. Mesmo dentro dos feminismos, há visões conflitantes. Já falei aqui de várias correntes, umas mais interseccionais e outras mais sectárias. Mas nunca vi nenhum feminismo que fosse contra um direito que a mulher tem sobre seu próprio corpo.

O terceiro ponto é sobre o aborto em si mesmo: falo do lugar de uma pessoa que não tem útero; portanto, deixo para que as mulheres que têm útero decidam se querem ou não ter filhos.

A tarefa de abortar é extremamente complexa e dolorosa; acreditem, ninguém está obrigando mulheres a abortar e nenhuma mulher aborta pelo prazer do procedimento, como os tais "pró-vida" acreditam que aconteça. Aliás, o que os "pró-vida" fazem em relação às crianças institucionalizadas, que abandonadas, vivem em orfanatos péssimos e sem nenhuma perspectiva? Não seria melhor que esta mulher tivesse direito a escolher ter ou não o filho, desobrigando uma alma de ter uma vida de sofrimento?

Numa sociedade livre e democrática como a que ainda temos, os feminismos que não invalidem vivências devem trazer argumentos para defender as mulheres e não postulados do patriarcado que sempre estará disposto a nos subjugar de todas as formas, seja reprimindo os direitos sobre nosso próprio corpo ou nos calando quando é a nossa vez de argumentar.