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Mariana Belmont

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Francia Marquez e Renato Freitas é a história em tempo real

Gustavo Petro e Francia Márquez ao oficializarem a candidatura à presidência da Colômbia em março de 2022 - NurPhoto via Getty Images
Gustavo Petro e Francia Márquez ao oficializarem a candidatura à presidência da Colômbia em março de 2022 Imagem: NurPhoto via Getty Images

Mariana Belmont

24/06/2022 08h00


"Esto es por nuestras abuelas y abuelos, las mujeres, los jóvenes, las personas LGTBIQ+, los indígenas, los campesinos, los trabajadores, las víctimas, mi pueblo negro, los que resistieron y los que ya no están... Por toda Colombia. ¡Hoy empezamos a escribir una nueva historia!"

Nunca esquecer quem veio antes, nunca. Foi exatamente isso que eu vi de perto ao conhecer Francia Marquez em março deste ano. Já relatei aqui sobre esse encontro: a força de Francia emociona e ultrapassa qualquer certeza e discursos prontos dos políticos brancos.

No domingo (19), já era noite quando o mundo ficou sabendo que, depois de 214 anos de extrema-direita, a Colômbia ganhou um novo governo. O povo colombiano elegeu a ativista ambiental, advogada e palenque, que se posiciona firme do lado certo da história, como. Ela, junto com Gustavo Petro, eleito presidente, assumirá o primeiro governo de esquerda da história colombiana. Derrotaram um populista de extrema-direita.

A política da vida ganhou.

Ao olhar o mapa de votos, é possível perceber toda a força de Francia. A disputa eleitoral foi acirrada, e Francia garantiu a vitória: 70% dos votos foram das regiões negras e indígenas. Veja como se reconhecer em quem votamos é importante.

Uma vice-presidência feminista, antirracista e ativista ambiental. Pare e olhe para a história. É isso, a América Latina fez história essa semana. A chapa da coligação de esquerda Pacto Histórico alcançou 11.281.002 votos (50,44%) e derrotou os candidatos de extrema direita colombiana Rodolfo Hernández e Marelen Castillo, da Liga de Governantes Anticorrupção, que ficaram com 10.580.399 votos (47,31%). Uma vitória apertada, com muito trabalho pela frente, mas com respiro de vida para uma população esquecida pelos governantes anteriores.

A vitória na Colômbia nos aponta um futuro que precisamos criar, catando os erros do passado, ouvindo as mulheres que ficaram para trás nesse processo e construindo com lideranças negras preparadas e com o apoio do movimento negro para o surgimento de novas lideranças.

Enquanto isso no Brasil, os vereadores de Curitiba decidiram, na última quarta (22), com 25 votos favoráveis e 5 contra, pela cassação do mandato do vereador Renato Freitas (PT). Mais um caso de violência política eleitoral contra parlamentares ligados ao movimento negro.

Renato Freitas foi o único vereador que não esteve presente na sessão. Isso porque sua equipe não foi intimada oficialmente para a votação. A comunicação, não oficial, ocorreu há menos de 24 horas da sessão, algo considerado ilegal.

A votação pela cassação de Freitas se deu por um processo administrativo de quebra de decoro, aberto após protesto do vereador na igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, em fevereiro, na ocasião da morte do congolês Moïse Kabagambe, no Rio de Janeiro. Desde o início do processo, o líder do movimento negro vem questionando o procedimento, apresentando diversas provas sobre a legalidade e consenso da instituição religiosa sobre o protesto.

Eu espero bons ventos, mas não estou só. A sociedade brasileira espera que os bons ventos que sopram na Colômbia passem por aqui. Precisamos de fôlego de reconstrução, mas precisamos de alternância nos espaços de poder. Menos homens brancos como esses que cassaram de forma absurda o vereador Renato.

O racismo institucional é a base da desigualdade social, é base para uma política genocida. Mas isso precisa ser rompido. Me emociona receber a notícia da Francia e dessa esquerda popular que ocupa um lugar nunca ocupado em nosso país irmão, a Colômbia. Mas me desespera saber que a gente pode continuar vivendo momentos de desespero e omissão. Não podemos.

Viva, Francia e viva o povo que votou em uma liderança conectada com os territórios, com as urgências de seu país. Que honra foi conhecer e ouvir de perto essa mulher gigante, que inspira, mas também sabe que está conectada a uma América Latina que espera por mais alegrias e menos fome.

Encerro trazendo um trecho do texto incrível da Luiza Futuro. Precisamos da utopia por todas as ruas.

"A popularidade da utopia nunca me pareceu tão urgente, e por isso compartilho com vocês essa preocupação e desejo, nada humilde, de que possamos ganhar intimidade com melhores horizontes, na perspectiva de invocar perguntas que nos alavancam para algo avesso ao cenário da desumanização. Como seria se hoje metade do Senado fosse composto por mulheres? Como seria o futuro em que a inteligência artificial nos iluminasse como espécie e não nos supera? Que país será o Brasil quando o PIB da floresta amazônica for maior que o do agronegócio?"