Mariana Sgarioni

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Reportagem

"Não pregamos ESG no deserto", diz Fábio Barbosa, CEO do grupo Natura &Co

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"Eu só queria fazer as coisas do jeito certo". É com esta simplicidade que Fábio Barbosa, o executivo que revolucionou a forma de fazer negócios no Brasil - e no mundo - define por que, há 25 anos, quando ocupava a presidência do Banco Real, decidiu colocar dentro da empresa valores pessoais que considerava importantes. Responsabilidade social, ambiental, inclusão, diversidade, ética, transparência. De uma forma simples e pontual, surgia o embrião do que hoje chamamos de ESG.

As iniciativas de integração da sustentabilidade aos negócios implantadas por Barbosa no Banco Real, a partir dos anos 2000, foram escolhidas como objeto de estudo na Harvard Business School e publicadas em artigo, em 2005, além de ganharem prêmios e destaques na imprensa internacional. Até hoje são utilizadas como referência para qualquer empresa que pretenda implantar ESG em seus domínios.

"Eu era ridicularizado, me chamavam de banqueiro verde. Mas eu sempre olhei para frente. Perguntava: alguém acredita que não seremos pressionados no futuro pela questão ambiental e de diversidade, por exemplo? Vocês acham mesmo que isso não vai acontecer? Passaram-se 25 anos e a resposta está aí", diz Barbosa.

O executivo hoje é CEO da Natura &Co, membro do conselho do ItaúUnibanco, da CBMM (fornecedora de tecnologia de nióbio), da Ambev, do CLP (Centro de Liderança Pública - Brasil) e da Fundação das Nações Unidas.

Com a fala mansa, senso de humor apurado, e a tranquilidade de quem não se intimidou ao abrir caminhos difíceis, na entrevista a seguir ele acalma corações pessimistas: o ESG segue como uma forte tendência, e a responsabilidade social e ambiental das empresas está evoluindo cada vez mais. "Não estamos pregando no deserto. Se a minha geração não deixou um Brasil melhor aos nossos filhos, ela deixou filhos melhores ao Brasil. Estes jovens são conscientes e sabem cobrar. E, se as empresas não se conectarem com eles desde já, vão perder", resume.

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Ecoa: Como você foi ouvido pelo mercado quando decidiu falar em sustentabilidade empresarial há 25 anos?

Fábio Barbosa: Eu era ridicularizado [risos]. Me chamavam de banqueiro verde, entre outras coisas. Mas eu sempre olhei para frente e dizia: Vamos ser cobrados no futuro por aquilo que fazemos hoje.

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Nesta época, você estava à frente de um dos maiores bancos do país. Foi uma atitude corajosa mudar totalmente a forma de fazer negócios.

Eu comecei com a seguinte frase: "Dar certo, fazendo a coisa certa, do jeito certo". Não existia responsabilidade social, ninguém falava sobre ambiente, nada. Me perguntavam na época: "Mas o que é isso?". Eu dizia: "Não sei, vamos pensar juntos". Aí começou a ideia de olhar para a questão ambiental, para a questão social. O que as empresas achavam que responsabilidade social significava apoiar creches, hospitais, escolas. Não é isso. Minha provocação: o que interessa não é o que a empresa faz fora de seus muros e sim no seu dia a dia. Ser correto dentro do seu negócio e não apenas fora. Imperava a ideia de passar a caneta no cheque e a borracha na consciência.

Provavelmente você encontrou muita resistência.

Existia aquele falso dilema: se você implantar esta iniciativa, não consegue colocar o negócio de pé. Não é verdade. No Banco Real, pela primeira vez na história, naquela época, decidimos não financiar uma determinada empresa que cortava madeira indevidamente no Paraná. Fui muito questionado por isso, levantavam a suspeita de que perderíamos negócios. O que aconteceu foi o contrário. Logo depois disso, apareceu um madeireiro que trabalhava com madeira certificada, um dos únicos no país, disposto a fazer negócios exclusivamente conosco. Você não perde fazendo as coisas certas. Já naquele tempo, por exemplo, me chamava a atenção a quantidade de motoboys que morriam em acidentes de trânsito durante o trabalho. Isso não podia continuar. O banco tinha que assumir a responsabilidade de diminuir estes acidentes. Contratamos uma empresa que reduziu estes acidentes a zero. Neste momento, entendi a importância de olhar para a cadeia de fornecedores. Como uma empresa pode contratar um fornecedor que não se importa com o que acontece com seus colaboradores ou com o ambiente?

Você abriu caminho para muitas ações que hoje vemos nas empresas, incluindo para legislações ambientais e sociais. Porém, há críticas de que não estamos evoluindo.

Eu não concordo. Evoluímos muito nas últimas décadas. Posso concordar que a velocidade desta evolução não é a que gostaríamos. Este ritmo me preocupa, sim. Mas não há dúvidas que evoluímos. Até o Mac Donalds faz propaganda dizendo que sua carne não é proveniente de áreas desmatadas. Por que você acha que falam isso? Porque é importante para o negócio. Isso era impensável no passado. Meu ponto é geracional. Se a minha geração não deixou um Brasil melhor aos nossos filhos, ela deixou filhos melhores ao Brasil. Quero dizer que esta geração tem uma consciência social, ambiental, ética e cidadã muito maior.

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E como isso se traduz nos negócios?

Ora, as crianças de hoje serão adultos consumidores em breve. Quando os jovens vão consumir, eles querem saber se a embalagem do produto é reciclada, qual a origem da matéria-prima, se a empresa se preocupa com diversidade, qual o impacto de carbono. Eles cobram isso das empresas. Portanto, não estamos pregando no deserto. Os jovens nos ouvem e têm um padrão de consumo diferente. Eu não sei fazer projeção de economia, acho que ninguém sabe, mas de demografia eu sei. As pessoas que têm 10 anos hoje terão 20 daqui a 10 anos. E determinarão um novo padrão de consumo. Quem não estiver conectado com estes consumidores vai perder.

Apesar desta nova consciência, existem correntes que acreditam que o ESG não sobreviverá. O que você pensa disso?

Fábio Barbosa: Existe uma politização do assunto que vem especificamente de uma parte dos Estados Unidos - e não da China e Europa, por exemplo. Nessa região dos Estados Unidos tem a questão do petróleo, por isso a polêmica. Eu acredito que no momento não dá pra falar em parar a produção de petróleo. É hipocrisia falar em parar porque todo mundo precisa de combustível para abastecer o carro. Acho que temos que investir em transição. Combustíveis mais limpos, eletrificação da frota. Não dá pra mudar radicalmente nada. Transição é a palavra.

Há ainda os questionamentos sobre os altos custos gerados pela sustentabilidade.

Fábio Barbosa: Sim. Mas é falsa a ideia de que o custo é alto, e que não dá resultado. Estamos falando em substituição e investimentos. Embalagens recicladas mostram para o consumidor que, ou você faz parte das soluções, ou vai perder mercado. E isso sim vai ser caro. Lembro sempre da imagem daquela tartaruga asfixiada com um canudo plástico que foi jogado nas praias. Depois disso, ninguém mais aceitou canudinhos. É isso: não é que você está gastando mais, simplesmente está se conectando com um público cada vez mais consciente. Minha tese é: ninguém faz as coisas porque é bonito, e sim porque existe uma preocupação dos consumidores. E não é nenhum sacrifício. Falando como alguém que veio do mercado financeiro: ESG é um investimento. Você investe agora olhando para o futuro. E pega os resultados depois.

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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