Mariana Sgarioni

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Chuvas no RS: práticas sustentáveis de vinícola evitam perdas maiores

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Os produtores de vinho do Rio Grande do Sul estão atordoados. O volume do estrago causado pelo excesso de chuvas ainda não foi medido com precisão. Cálculos preliminares apontam que cerca de 500 hectares de plantações de uvas foram destruídos até agora - seja por inundações, seja por deslizamentos. Uma vinícola no pequeno município de Barão, localizada entre a Serra Gaúcha e o Vale do Caí, porém, se destaca por ter salvado boa parte de seu território e produção devido a práticas sustentáveis e agricultura regenerativa: a Valparaíso.

Desde 2006, o engenheiro agrônomo Arnaldo Argenta produz vinhos naturais com diversos cuidados de preservação ambiental que evitaram perdas mais significativas diante das chuvas deste ano. A propriedade tem 7 hectares de plantações - entre eles foram preservados 4,5 hectares de uvas viníferas. "O rio que corta nossas terras poderia ter enchido muito mais e varrido tudo se não fosse a proteção de vegetação natural que deixamos em suas margens. A mata ciliar serviu de amortecimento: a água batia em moitas e voltava", conta Naiana Argenta, sócia-proprietária da vinícola, e filha de Arnaldo.

As árvores nativas preservadas em toda a região de planícies também evitaram deslizamentos. "Elas protegeram não apenas as plantações como nossas casas e nossas vidas. Muitas propriedades vizinhas desmatadas não tiveram a mesma sorte. A única área que tem mata nativa original na região é a nossa. Todo o entorno desmatou tudo: são 80 hectares desmatados. Se não fosse o desmatamento, não teríamos tido tantos problemas com as chuvas", conta Arnaldo.

Os terrenos da Valparaíso são cortados por um sistema de drenagem meticulosamente pensado por Arnaldo Argenta. Este sistema foi montado de forma natural, em formato de espinha de peixe, e passa a partir do alto dos morros, canalizando e filtrando a água de forma com que escoe até a coleta. A velocidade com que a água desce é reduzida, evitando deslizamentos e inundações.

Segundo Arnaldo, o trabalho para evitar catástrofes deve começar no solo. Na Valparaíso, o solo é cuidado por técnicas biodinâmicas de adubação verde, que acabaram servindo como "esponja" para absorver a água de forma mais lenta. "Nosso solo é sempre coberto por outras espécies que criam uma massa vegetativa e seguram a enxurrada. Temos feijão guandu, girassol, crotalária e micuna-preta. Já uma outra parte do vinhedo está coberta por aveia e nabo forrageiro. Desta forma, nosso solo está sempre coberto, nunca terá erosão, e está protegido de enxurradas", explica.

A ideia de plantar não apenas uvas e sim diversas espécies interagindo para que cada uma exerça sua função faz parte de técnicas naturais de regeneração do solo. Argento utiliza ainda manejo natural, como coberturas especializadas, que evitam doenças fúngicas nas uvas sem precisar do uso indiscriminado de agrotóxicos.

Mudanças climáticas

Responsável por mais de 60% da produção de uvas no Brasil, o Rio Grande do Sul tem enfrentado desafios intermitentes por conta das mudanças climáticas. Em setembro de 2023 choveu forte no Estado. Em novembro as chuvas voltaram e, em maio, o Estado viveu o ápice do desastre climático. "As últimas três safras foram fortemente afetadas pelas mudanças climáticas. As temperaturas noturnas para a uva precisam ser de cerca de 7 graus. Há dias aqui que chegamos a 25 graus à noite. A estrutura celular da fruta fica toda alterada, você mexe no ciclo dela e isso impacta no sabor final. É como uma criança que nasce prematura", diz Arnaldo Argenta.

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Na Europa e Estados Unidos, produtores já estão mudando seus padrões de plantio e cultura. "Nas regiões viticultoras tradicionais da Europa, por exemplo, o impacto principal é a seca, a restrição hídrica mais intensa, somadas a temperaturas muito elevadas no período de maturação. Isso altera o padrão da uva. Em condições extremas de calor ela perde a acidez e eleva o nível de açúcar, fazendo um vinho com teor alcoólico maior", explica Henrique Pessoa dos Santos, pesquisador em fisiologia de produção da Embrapa Uva e Vinho.

Alguns produtores do Rio Grande do Sul já estão migrando para regiões mais altas e frias, como São Joaquim, em Santa Catarina. "O Sul do Brasil se aproxima de uma condição mais europeia. Mas não é a única região de viticultura do país, existem plantações no Piauí, Ceará, até no Cerrado. O Brasil serve de base para trabalhar as mudanças climáticas na viticultura, pois temos experiências de clima e de solo completamente diferentes. Somos um laboratório a céu aberto e poderíamos exportar essa tecnologia", sugere o pesquisador.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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