"Não há ação ESG sem ouvir a comunidade", diz Carla Crippa, VP da Ambev
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Quem pretende entrar de corpo e alma em ESG no Brasil precisa ouvir Carla Crippa, Vice-Presidente de Relações de Impacto e Relações Corporativas da Ambev e conselheira do Pacto Global da ONU. A executiva está à frente de um leque de projetos de grande repercussão socioambiental. Recentemente, um deles chamou a atenção de todo o país: em tempo recorde, a Ambev parou a produção de cerveja na fábrica de Viamão (RS) para envasar água potável e doar para as pessoas atingidas pela tragédia das chuvas no Estado.
A água, aliás, é um assunto que está presente em diversas iniciativas de Carla. Ela é a idealizadora da Água AMA, negócio social da Ambev que reverte 100% do lucro obtido com suas vendas para projetos de acesso à água potável em diversas regiões do país.
Atenta ao que acontece fora dos muros da empresa, seu foco está na escuta das comunidades. "Qual o papel de uma grande empresa hoje? É o de entender como pode usar sua estatura para resolver problemas sociais e ambientais. O único jeito de fazer isso é saindo do escritório fechado e escutando o que acontece lá fora, no mundo real", resume.
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Ecoa: A escassez de recursos hídricos é um assunto que não tem conseguido tanto destaque na agenda de sustentabilidade como deveria. Por que você decidiu olhar para esta pauta?
Carla Crippa: Sim, a água é um assunto menosprezado. Porém, simplesmente não há vida na Terra sem água. Além deste fator básico, pensando na Ambev, nós também não temos negócio sem água, uma vez que mais de 90% do nosso produto é composto por água. Então, em primeiro lugar, fizemos a lição de casa aqui dentro, reduzindo o consumo internamente. Depois fomos para fora, com nossos parceiros, e todo o ecossistema.
Ecoa: Foi assim que você idealizou a Água AMA?
Carla Crippa: Foi um passo a passo até chegar na AMA. Depois de olhar internamente nosso consumo, partimos para o Projeto Bacias, em 2010, que é uma parceria da Ambev com diversas organizações para recuperar a qualidade e a saúde das nascentes de bacias hidrográficas brasileiras. É um trabalho enorme: já temos 2 milhões de árvores plantadas desde o início do projeto. Depois disso, aí sim, fomos ver a água potável para a comunidade, com a AMA. Este projeto, que nasceu em 2017, quis usar a potência, a estrutura e a energia da empresa para resolver um problema socioambiental urgente do nosso país que é a falta de água potável.
Ecoa: O Brasil tem hoje mais de 30 milhões de pessoas sem acesso à água potável. É quase um Canadá inteiro.
Carla Crippa: Exatamente. Mas a gente se dispôs a ir além da filantropia: não queria uma simples doação. Queria uma solução abrangente que estivesse dentro do nosso negócio. Hoje a AMA leva acesso à água potável para 1 milhão de pessoas.
Ecoa: Como você imaginou esta solução interna no caso da tragédia do Rio Grande do Sul?
Carla Crippa: Como eu disse, acredito em formas de mobilização dentro dos negócios. Só assim é possível conseguir escalar e obter um impacto muito maior da própria solução que você pensou. Por exemplo: qual o valor da doação de um copo de água numa situação em que você tem uma população inteira sem água? Não existe um preço para isso. Se você consegue parar uma cervejaria imensa para produzir 100% de água, este valor se torna muito maior.
Ecoa: Vocês agiram muito rápido nesta situação. Como foi isso?
Carla Crippa: A gente formou um comitê de experts em crise, como já havíamos feito na época da pandemia. Dali saíram ideias como tirar álcool da cerveja, por exemplo, para virar álcool gel, a construção rápida de hospitais, máscaras de proteção com plásticos de garrafas de guaraná. No caso do RS, pensamos: a gente produz água e eles precisam de água. Então fizemos uma adaptação em tempo recorde na fábrica, coisa de no máximo 4 dias. Paramos de fazer cerveja e refrigerante para produzir água.
Ecoa: Você costuma falar muito sobre a necessidade das lideranças estarem presentes junto às comunidades em que atuam. Por que?
Carla Crippa: A gente está lidando com o mundo real. Não acho possível qualquer empresa ter um projeto de impacto socioambiental que não tenha escuta da comunidade e parcerias atuando em conjunto. A gente vê muito por aí projetos que atuam em problemas que simplesmente não existem porque não são reais. Quando a AMA nasceu, a gente ia muito ao semiárido. Ao ampliar a escuta, soubemos de um problema gigantesco de acesso à água potável na Amazônia, lugar da maior bacia hidrográfica do mundo. Fomos entender melhor e não se trata de falta de água e sim de contaminação desta água. Outro exemplo: aqui do ar condicionado do meu escritório não aparecem dados no computador, porém, sabemos que existe, sim, água contaminada em comunidades no Rio e SP. Para isso, instalamos bebedouros públicos.
Ecoa: O que mais mobiliza suas ações no momento?
Carla Crippa: A questão social. Entre os marcadores sociais, a pobreza e a desigualdade são problemas gigantescos. Estamos com a grande ambição de incluir produtivamente 5 milhões de pessoas até 2032. Hoje temos mais de 200 mil pessoas nesta inclusão produtiva, e ainda há muito a ser feito. Sabemos que não chegaremos lá sozinhos, mas estamos no caminho.
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