Mariana Sgarioni

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Reportagem

"Política de Transição Energética sinaliza caminhos", diz Luciana Costa

Depois de muita expectativa, o governo aprovou, na semana passada, a Política Nacional de Transição Energética, que prevê integrar diversas políticas governamentais com o objetivo de atrair até R$ 2 trilhões em investimentos em energia limpa e renovável nos próximos 10 anos.

Apesar de sofrer críticas, o documento chega em boa hora: às vésperas do G20, o país precisa de um documento de base para liderar a agenda climática das discussões. "Mais do que isso: o Brasil precisa sinalizar ao mundo para onde vai", apontou Luciana Costa, Diretora de Infraestrutura, Transição Energética e Mudança Climática do BNDES. A executiva participou da mesa "Financiando o Futuro", evento da série "Brasil do Futuro", promovido pelo UOL, no último dia 29 de agosto, em São Paulo. Segundo ela, podemos esperar boas notícias de investimentos após as reuniões do G20.

A executiva afirmou que não há dúvidas de que o Brasil hoje tem todo o potencial para liderar esta transição em todo o mundo. A matriz energética brasileira é mais renovável que a das maiores economias mundiais: em sua matriz elétrica, o país se destaca com mais de 80% da geração vinda de fontes renováveis contra 29% na média dos demais países do G20. O país pode se destacar também no mercado de hidrogênio de baixo carbono, na substituição de combustíveis fósseis por biomassa e biocombustíveis, na eletrificação e na captura e armazenamento de carbono, entre outras frentes.

Na entrevista a seguir, Luciana fala como o BNDES pode ajudar a dar fôlego para esta transição, o papel de um banco de fomento neste cenário e quais os desafios para este financiamento.

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Ecoa: Qual a importância da Política de Transição Energética neste momento para o país?

Luciana Costa: O Brasil precisa apontar os caminhos, mostrar ao mundo para onde pretende ir. Nós já escalamos as energias solar e eólica, também já temos hidrelétricas. O mesmo aconteceu com linhas de transmissão, que, inclusive, atrai muito o setor privado. Agora precisamos investir nos desafios: SAF (Combustível Sustentável de Aviação), biometano, outras formas de biomassa, combustíveis avançados, amônia verde, fertilizante verde, hidrogênio verde, mobilidade. Há várias frentes com grande impacto e que podem ser economicamente viáveis. Precisamos estruturar isso, ver onde vamos alocar cada investimento, pois os custos são diferentes. Portanto, este é o papel desta Política de Transição.

Ecoa: Como o BNDES pode impulsionar esta transição?

Luciana Costa: O BNDES se destaca atualmente como o maior financiador de energias renováveis do mundo, com créditos que somam cerca de US$ 35 bilhões no período de 2004 a 2022. Quero lembrar que a transição energética não é novidade para nós. As nossas matrizes elétrica e energética são as mais renováveis de todos os países do G20 porque o BNDES sempre apoiou esta transição. Desde a década de 1970, o banco vem financiando as grandes hidrelétricas, assim como o etanol, a biomassa, e assim vai. Os grandes financiamentos de energia elétrica e eólica só estão acontecendo agora porque nós já fizemos isso em 2005. Então, para que novas tecnologias sejam introduzidas, o papel dos bancos de fomento é fundamental.

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Ecoa: Quais são os desafios para escalar estas novas tecnologias no momento?

Luciana Costa: Quando uma tecnologia é introduzida, ela costuma ser mais cara que as anteriores. Conforme ela ganha escala, o preço diminui. Um exemplo é o hidrogênio verde: 70% do custo do hidrogênio verde é energia. O restante é tecnologia. Daqui a pouco este preço vai cair, pois o valor do eletrolisador vai baixar. O mesmo aconteceu com os paineis solares: os preços vêm caindo cada vez mais porque a tecnologia não é mais tão nova.

Nosso desafio no Brasil é que o nosso custo de capital é muito alto, muito mais alto do que a tecnologia. Este custo pesa demais. Nossos juros são muito altos e não temos um mercado de capitais de prazos muito longos, é um mercado com limitações. O grande bolsão de liquidez está entre ações de 7 a 10 anos. Não existem projetos de 30 anos no Brasil - por isso o BNDES tem funding de longo prazo, um capital mais paciente que ajuda a destravar muita coisa.

Ecoa: Temos também desafios políticos.

Luciana Costa: Sim. O Brasil, até o governo passado, não via a transição energética como uma janela de oportunidades. Os outros países já têm uma regulação há muito tempo. Aqui começamos a discutir isso em 2023. Mas temos que respeitar o tempo da democracia. O PL do Mercado de Carbono, por exemplo, precisa ser aprovado. Ele é importantíssimo. Somente o Brasil se beneficia com um mercado de carbono regulado.

Ecoa: Por quê?

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Luciana Costa: Nossos produtos industrializados já são mais limpos. Nossa matriz energética é limpa. O alumínio produzido no Brasil é menos intensivo em carbono, o cimento também. Então acelerar a regulação é importante porque tem riscos que o capital não corre. Ao precificar o carbono, ganhamos mercado, competitividade internacional. Por exemplo: um painel solar produzido na China é barato, mas é altamente intensivo em carbono, assim como em outros países. Mas, como o carbono não está na conta, ele é uma externalidade que não está precificada. Por isso precisamos precificar.

Ecoa: Esta política pode ser acelerada pelo G20? O que podemos esperar deste encontro?

Luciana Costa: O Brasil conseguiu colocar o clima e a transição energética no centro da pauta do G20. Por isso, acho que vamos ter surpresas boas com o G20, investimentos vão chegar. O palco é do Brasil. Assim como a COP de 2025 também será nosso palco para jogar luz na floresta amazônica. O Brasil vai poder mostrar não apenas o setor elétrico e energético como também a agricultura: o país é o maior exportador de alimentos do planeta, garantimos segurança alimentar para o resto do mundo. Somos o país mais bem posicionado em minérios para a transição energética. Ou seja: nossos recursos naturais somados a tudo o que fizemos no setor energético nos dá a chance de liderar esta agenda climática.

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