Mariana Sgarioni

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Reportagem

Hope quebra tabu e lança campanha para doação de peças íntimas usadas

As roupas íntimas usadas - especialmente as femininas, como calcinhas e sutiãs - são as principais peças que se acumulam nos aterros sanitários formando aquelas montanhas impressionantes de lixo. Como a maioria não é reciclável ou biodegradável, o impacto ambiental é tremendo - estima-se que cada peça demore 200 anos para se decompor.

Esta realidade poderia ser diferente se houvesse a cultura do reaproveitamento da moda íntima, ou seja, a doação de calcinhas e sutiãs limpos e em bom estado.

"Precisamos desmistificar a doação destas peças. Existe um tabu de que doar não é higiênico e que pode transmitir doenças. Isso não é real. Se houver uma higienização, calcinhas e outras peças íntimas podem sim ser aproveitadas por quem precisa e deixar de gerar lixo", afirma Sandra Chayo, sócia-diretora do Grupo Hope.

A empresa lançou a campanha "Doe Esperança", que tem o objetivo de incentivar a doação de calcinhas, sutiãs e pijamas em todas as suas lojas nacionais. Quem não quiser mais sua lingerie que estiver em bom estado pode levá-la nos pontos de coleta e a empresa se encarregará de fazer a correta higienização e doação. Além de aumentar o ciclo de vida das peças e reduzir o descarte desnecessário, a campanha pretende atender a população feminina em vulnerabilidade e situação de rua que não tem acesso a roupas íntimas.

Entusiasta do ESG, Sandra conta que decidiu lançar a campanha porque arregaçou as mangas e foi pessoalmente fazer doações. "Testemunhei a carência destas mulheres quando o assunto é calcinha".

Na entrevista a seguir, a empresária conta por que acredita na importância da humanização das lideranças, como investe na sustentabilidade de uma indústria que hoje produz 1 milhão de peças por mês, e de que forma ressignificou a companhia herdada pelo pai.

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Ecoa: O que as pessoas costumam fazer com calcinhas e sutiãs usados?

Sandra Chayo: A maioria das mulheres descarta, rasga, corta e até queima lingeries que muitas vezes ainda estão em bom estado e poderiam ser aproveitadas. É cultural: doa-se tudo, mas ninguém doa calcinha e sutiã. Isso porque existe um tabu, todo mundo acha que este reaproveitamento não é higiênico. Mas não é verdade: se houver uma higienização com uma lavagem industrial, por exemplo, as peças podem e devem ser reutilizadas. É igual à toalha de hotel: quanta gente já usou aquela mesma toalha? Ela foi lavada e ficou pronta para uso novamente.

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Ecoa: Como você idealizou a campanha "Doe Esperança"?

Sandra Chayo: Fiz parte de uma ação de doação de vários itens para a população em situação de rua. No meu carro, estavam as roupas íntimas. Imediatamente muitas mulheres vieram correndo em minha direção pedindo calcinhas. Fizemos uma pesquisa e descobrimos que a primeira necessidade da população que está na rua é água; a segunda são roupas íntimas. Ou seja: este acesso vai além do conforto, é uma questão de dignidade e saúde, e nós precisamos reverter essa situação. Calcinha é item de primeira necessidade, é uma peça que a gente precisa usar: afinal, mulher menstrua. Este é um projeto social e ambiental ao mesmo tempo, pois também pretende evitar o acúmulo desnecessário de lixo.

Ecoa: Como uma indústria que produz 1 milhão de peças por mês olha para este descarte?

Sandra Chayo: De várias formas. Mais de 40% dos nossos produtos são feitos com tecidos biodegradáveis. Usamos a tecnologia a nosso favor e colocamos a Inteligência Artificial para aproveitar tecidos e reduzir desperdícios. Mas, para mim, o principal fator da sustentabilidade é a durabilidade. Nossas roupas são feitas para durar muito, não são para serem jogadas fora. Já o S, do ESG, é o grande foco na nossa fábrica, situada em Maranguape, um pequeno município do Ceará. Nosso olhar está nas mulheres locais. Oferecemos qualificação de mão-de-obra em diversas ações, treinamos mulheres não apenas para a nossa indústria, mas também para estarem aptas ao mercado.

Ecoa: As mulheres sempre estiveram no centro dos negócios da HOPE?

Sandra Chayo: Meu pai fundou a Hope há 57 anos. Ele era um apaixonado por mulheres, sempre esteve rodeado por elas: tinha 3 filhas, sem contar as irmãs e minha mãe. Na fábrica, a mão-de-obra era majoritariamente feminina. Então, ele dava valor às mulheres. A gente fala que hoje a mulher é a razão de existirmos. Meu pai me dizia: "Moda íntima um dia vai virar moda. Eu não vou saber fazer isso, mas você vai".

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Ecoa: E foi assim que você assumiu os negócios?

Sandra Chayo: Não fui criada para trabalhar na Hope. Brinco que fui criada para a guerra. Eu me formei em arquitetura. Até que pedi para entrar na Hope com 20 e poucos anos e me apaixonei. Na época não existiam monomarcas, apenas lojas de bairro que vendiam não apenas lingeries, vendiam de tudo. Foi aí que pensei em construir uma marca para o futuro. Migramos da indústria para o varejo e mantivemos a indústria como valor. Comecei um trabalho de reposicionamento de marca no início dos anos 2000 e entramos no varejo no sistema de franquias.

Ecoa: Como você classificaria o seu estilo de liderança?

Sandra Chayo: Fazemos mais de 10 milhões de peças por ano. Impactamos a vida de milhares de pessoas, de famílias. Eu sou consciente desta responsabilidade. Mas tenho um CPF por trás do CNPJ. Ninguém se conecta com uma grande corporação e sim com uma pessoa. Exponho minha vida pessoal, meus valores, porque quero me conectar com clientes, colaboradores, franqueados. Uma empresa reflete os valores pessoais de quem a lidera.

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