Mariana Sgarioni

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Reportagem

CEO da primeira holding social do país abre banco que fala 'favelês'

Há mais de 20 anos, o empresário Celso Athayde vem repetindo a sábia frase: "Favela não é carência, é potência". E é mesmo. Tanto que ele conseguiu voltar os olhos do mercado para um território até então ignorado pelo mundo dos negócios. Agora, em sociedade com José Renato Hopf, fundador da GetNet, Athayde coloca em operação o F Bank, banco com mais de 5 mil agências físicas, totalmente focado nos moradores das favelas do país.

"O F Bank não fala a linguagem do asfalto. Aqui não tem 'powerpoint' nem 'network'. Aqui é favelês mesmo. Quem explica tudo para os clientes são os gerentes, que não estão na Faria Lima, são moradores locais", diz o empresário que fundou, nos anos 2000, a CUFA (Central Única de Favelas), organização social presente em 5 mil comunidades de todo o país, e a Favela Holding, a primeira holding social do Brasil. O conglomerado hoje conta com mais de 20 empresas e parcerias com gigantes como Sony Music e Amazon. Em 2021, o faturamento do grupo foi de R$ 178 milhões.

Na entrevista a esta coluna, Athayde fala um pouco sobre o grande potencial econômico presente nas comunidades, a importância deste público para quem pretende investir em ESG, e como seu novo banco vai revolucionar as operações financeiras no país.

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Ecoa: De onde surgiu a necessidade de um banco para atender apenas as favelas?
Celso Athayde:
As favelas têm em torno de 18 milhões de pessoas. Produzem e consomem R$ 212 bilhões por ano. Se você juntar tudo, as favelas seriam o terceiro maior Estado brasileiro em consumo, população e economicamente. A Rocinha, por exemplo, é maior do que 83% das cidades do Brasil. Então, temos ali o potencial de cidades inteiras. É óbvio que os bancos perceberam isso. Acontece que os sistemas econômicos e financeiros tradicionais não foram desenvolvidos para quem vive nas favelas.

Ecoa: Como funciona o F Bank?
Celso Athayde:
É um banco físico. O gerente mora na favela e a agência é na sala da casa dele. Nós fizemos pesquisas com grupos de trabalho e descobrimos que boa parte dos moradores tiram o dinheiro dos bancos logo após receberem o salário porque não confiam na estrutura. No F Bank, o gerente é o seu vizinho, é seu amigo, é o cara que joga bola com você. Ele decodifica os termos das finanças para uma linguagem que você vai entender. Não tem mentira, não tem enganação. No F Bank há um percentual do lucro que é direcionado para a favela - e ela vai decidir o que vai fazer com este dinheiro.

Ecoa: Como você vê os programas ESG das empresas nas favelas?
Celso Athayde:
O ESG fala de raça, de gênero e de uma porção de coisas. Mas não fala de território. Os consumidores da empresa estão ali, na favela. Como não pensar territorialmente nas mulheres negras que consomem o seu produto e com quem você precisa conversar? Elas não moram na Vieira Souto. Elas moram na favela. Os jovens também. Vamos debater a sustentabilidade, o impacto das chuvas, as mudanças climáticas. Mas como falar destes assuntos sem falar da favela? Então as empresas não podem reduzir o seu discurso a métodos que os europeus criaram para a nossa realidade. É o que penso.

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Brasil compra lixo de outros países e deixa de reciclar o que produz

Era uma vez a incrível história de um país que produzia milhares de toneladas de resíduos sólidos todos os dias, mas mesmo assim comprava lixo de outros países para reciclar.

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Seja bem-vindo ao Brasil de 2024. A situação parece surreal, mas a importação de resíduos vem crescendo ano a ano. Somente entre 2019 e 2022, de acordo com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), as compras de papel e vidro de outros países subiram respectivamente 109,4% e 73,3%. No caso do plástico, o período registrou aumento de 7,2%. Um dos fatores que fizeram com que esses números tenham crescido no período acima é que o governo anterior zerou a alíquota de importação desse tipo de resíduo. Porém, o atual governo subiu a taxa de importação para 18% - e, mesmo assim, contrariando expectativas, a prática segue crescendo.

A explicação para esta distorção está no bolso: continua sendo mais barato comprar resíduos de fora em vez de reciclar os nossos próprios. Com a importação, o valor do material recolhido pelos catadores tende a baixar cada vez mais, levando a uma precarização ainda maior do trabalho destes profissionais.

Patrícia Iglecias, professora e superintendente de gestão ambiental da USP, observa que a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) prevê, no pós-consumo, a priorização da inserção das cooperativas de catadores e sua profissionalização. "Os resíduos devem ser geradores de renda e cidadania. Ao não usar o trabalho dos catadores, você não atende à ecoeficiência que está na lei".

Ao desembarcarem no Brasil, estes materiais não chegam com dados de rastreamento e, pior, muitas vezes aportam sujos, trazendo elementos tóxicos. Isso abre as comportas para a chegada ilegal de lixo tóxico no Brasil - crime que já chama a atenção das autoridades.

"O processo da importação propicia o que chamamos de dano-evento, ou seja, que lesa um direito subjetivo. Neste caso, o prejuízo está mascarado e será visto um tempo depois. Se queremos avançar em matéria de sustentabilidade, é preciso considerar a proibição total da importação de resíduos como medida não só ambiental, mas também econômica e social", afirma Patrícia Iglecias.

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Fique de olho

  • SDGs in Brazil 2024 - Evento de sustentabilidade corporativa promovido pelo Pacto Global da ONU - Rede Brasil nos dias 19 e 20 de setembro, no Delegates Dining Room, dentro da sede das Nações Unidas, em Nova York. Entre os destaques estão a divulgação do segundo ano do Relatório Ambição 2030 e a discussão sobre a agenda 'anti-woke', que se opõe a uma ampla gama de questões sociais e ambientais. Confira aqui a programação.

Dica de leitura

Minha escolha pela ação social: Sobre legados, territórios e democracia

Autor: Neca Setubal

Editora: Tinta da China

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Filha do fundador do Banco Itaú e figura decisiva para o desenvolvimento do terceiro setor e da filantropia no Brasil, a socióloga Neca Setubal narra neste livro a importância de investir em projetos voltados para a superação das desigualdades sociais no país.

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