F Bank abre as portas do mercado para potencial financeiro das favelas
Há mais de 20 anos, o empresário Celso Athayde vem repetindo a sábia frase: "Favela não é carência, é potência". E é mesmo. Tanto que ele conseguiu voltar os olhos do mercado para um território que até então era ignorado pelo mundo dos negócios. Agora, em sociedade com José Renato Hopf, fundador da GetNet, Athayde coloca em operação o F Bank, banco com mais de 5 mil agências físicas, totalmente focado nos moradores das favelas do país.
"O F Bank não fala a linguagem do asfalto. Aqui não tem 'powerpoint' nem 'network'. Aqui é favelês mesmo. Quem explica tudo para os clientes são os gerentes, que não estão na Faria Lima, são moradores locais. Todo mundo é vizinho; a relação é de confiança, a conversa acontece no portão de casa e no futebol de domingo", diz o empresário que fundou, nos anos 2000, a CUFA (Central Única de Favelas), organização social presente em 5 mil comunidades de todo o país, e a Favela Holding, a primeira holding social do Brasil. O conglomerado hoje conta com mais de 20 empresas e parcerias com gigantes como Sony Music e Amazon. Em 2021, o faturamento do grupo foi de R$ 178 milhões.
Nascido na Baixada Fluminense e criado na Favela do Sapo, zona oeste do Rio de Janeiro, Athayde conta que morou nas ruas ainda criança e que foi ali, debaixo do viaduto de Madureira, que aprendeu como são feitos os pequenos negócios das favelas. O executivo é hoje reconhecido e premiado em diversos países, como em Davos, na Suíça, onde recebeu prêmio de empreendedor social no Fórum Econômico Mundial. Na entrevista a esta coluna, ele fala um pouco sobre o grande potencial econômico presente nas comunidades, a importância deste público para quem pretende investir em ESG, e como seu novo banco vai revolucionar as operações financeiras no país.
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Ecoa: De onde surgiu a necessidade de um banco para atender apenas as favelas?
Celso Athayde: As favelas têm em torno de 18 milhões de pessoas. Produzem e consomem R$ 212 bilhões por ano. Se você juntar tudo, as favelas seriam o terceiro maior Estado brasileiro em consumo, população e economicamente. A Rocinha, por exemplo, é maior do que 83% das cidades do Brasil. Então, temos ali o potencial de cidades inteiras. É óbvio que os bancos perceberam isso. Acontece que os sistemas econômicos e financeiros tradicionais não foram desenvolvidos para quem vive nas favelas.
Ecoa: Por que?
Celso Athayde: Para começo de conversa, a favela não quer ser catequizada, ela quer ser a melhor versão dela mesma. Existe uma linguagem própria e um modo de viver também. Os bancos tradicionais não conseguem entender, por exemplo, que um DJ pode ser uma autoridade numa favela. Eles não sabem como conversar com o morador que não quer ligar para um número desconhecido e falar sobre o dinheiro dele. Ele quer conhecer a pessoa, falar ao vivo, entender o que está acontecendo. Para operar na favela, o banco precisa perceber que há muito mais do que apenas dinheiro ali. Há uma responsabilidade com quem vive neste território. Tem que vender seu produto com qualidade e oferecer também um projeto com um cinturão de proteção para aquelas pessoas.
Ecoa: Como funciona o F Bank?
Celso Athayde: É um banco físico. O gerente mora na favela e a agência é na sala da casa dele. Nós fizemos pesquisas com grupos de trabalho e descobrimos que boa parte dos moradores tiram o dinheiro dos bancos logo após receberem o salário porque não confiam na estrutura. No F Bank, o gerente é o seu vizinho, é seu amigo, é o cara que joga bola com você. Ele decodifica os termos das finanças para uma linguagem que você vai entender. Não tem mentira, não tem enganação. No F Bank há um percentual do lucro que é direcionado para a favela - e ela vai decidir o que vai fazer com este dinheiro.
Ecoa: Este é o mesmo modelo de negócios da Favela Holding.
Celso Athayde: O F Bank, assim como o Favela Seguros (seguradora direcionada para as necessidades de quem mora nestes territórios), faz parte do grupo da holding que criei em 2015, que é um ecossistema com o objetivo de trazer a favela como protagonista do negócio. Todos os nossos sócios têm que entrar nesta lógica. Temos que oferecer os melhores serviços com taxas menores. Os recursos da holding são direcionados para a CUFA. Criamos empregabilidade em escala, formamos pessoas e fazemos inclusão social. Por exemplo: a Favela LLog (empresa de logística da holding especializada em entregas em comunidades brasileiras) distribui produtos da Amazon e utiliza a mão de obra de moradores que foram treinados e vieram do cárcere. Então, eu formo pessoas, aproximo os consumidores, e gero empregabilidade. O objetivo é desenvolver estas pessoas.
Ecoa: E também fazer circular o dinheiro dentro da favela.
Celso Athayde: Sem dúvida. A favela está consumindo porque ela produz. Temos a possibilidade de fazer a gestão daquilo que a gente consome. Até pouco tempo, o favelado não podia ganhar dinheiro. Isso era prerrogativa só do asfalto. A expectativa da sociedade era muito baixa do que a gente podia produzir. No movimento negro, então, era quase um crime falar em dinheiro. Era coisa de mercenário. Eu resolvi criar uma organização justamente para combater isso porque minha realidade era diferente. Eu sempre trouxe este componente econômico para a mesa e assim passei a juntar empresas que traziam soluções para o que buscávamos.
Ecoa: Como você vê os programas ESG das empresas nas favelas?
Celso Athayde: O ESG fala de raça, de gênero e de uma porção de coisas. Mas não fala de território. Os consumidores da empresa estão ali, na favela. Como não pensar territorialmente nas mulheres negras que consomem o seu produto e com quem você precisa conversar? Elas não moram na Vieira Souto. Elas moram na favela. Os jovens também. Vamos debater a sustentabilidade, o impacto das chuvas, as mudanças climáticas. Mas como falar destes assuntos sem falar da favela? Então as empresas não podem reduzir o seu discurso a métodos que os europeus criaram para a nossa realidade. É o que penso.
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