"Laranjinhas mudaram nosso cenário urbano", diz criadora do Bike Itaú
Há 13 anos, Luciana Nicola, diretora de Relações Institucionais e Sustentabilidade do Itaú Unibanco, tinha um sonho: colocar de pé um projeto de fôlego que impactasse as cidades de forma positiva. A escolha por espalhar bicicletas nos centros urbanos foi minuciosa e parecia, no início, despretensiosa. Porém, deu tão certo que cresceu vertiginosamente: as bicicletas se multiplicaram como gremlins, coloriram as cidades de laranja, ajudaram a reduzir as emissões de gases poluentes, e fizeram com que o Bike Itaú se consagrasse como o maior projeto de mobilidade urbana do país.
"Quem vê as laranjinhas nas ruas nem imagina todo o trabalho de planejamento e mapeamento que existe por trás, feito em conjunto com o poder público. Nosso objetivo é tirar as pessoas de seus carros individuais e levá-las, de bicicleta, ao transporte público", diz Luciana.
Iniciado em 2011, no Rio de Janeiro, o Bike Itaú contabiliza mais de 13 milhões de viagens realizadas; 171 mil usuários ativos e 14 mil bicicletas espalhadas em 5 cidades no Brasil, além de Chile e Colômbia. "Além da descarbonização, a bicicleta é vista em outros países como um instrumento de mudança de consciência. É esta cultura que queremos criar aqui".
Na entrevista a seguir, a executiva conta mais sobre o processo de criação e expansão das "laranjinhas", como o banco tem mergulhado de cabeça na mobilidade, e por que o radar da organização agora anda voltado aos biocombustíveis.
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Ecoa: Por que o Itaú Unibanco decidiu apostar em mobilidade urbana?
Luciana Nicola: Somos um banco predominantemente presente no território urbano. Então pensamos em contribuir mais no dia a dia das pessoas dentro deste território, impactando positivamente os grandes centros urbanos. Há 13 anos, estudávamos muito cidades sustentáveis e percebemos que a mobilidade urbana já era um gargalo importante. E aqui existiam vários pontos: o caos do trânsito, a poluição. A dinâmica do transporte público e seus incentivos foi o que me chamou mais a atenção.
Ecoa: Quais foram as suas referências para chegar ao Bike Itaú?
Luciana Nicola: Fui fazer um benchmarking internacional para entender como grandes centros urbanos em outros países funcionavam. A bicicleta aparecia sempre como um instrumento de mudança, de conscientização. Na China, por exemplo, existia toda uma cultura da cidade tomada por ciclovias e ciclofaixas. A Alemanha usava muito o conceito da bicicleta para a mobilidade urbana desde a primeira infância, como formação do cidadão mesmo, como política pública. Em vários centros urbanos, é proibida a circulação de carros, só pode bicicleta. Eles usavam a bicicleta como um vetor de transformação muito vinculada à forma de deslocamento e da micromobilidade. Chegamos no Brasil e voltamos os olhos para o Rio de Janeiro, onde já tem uma malha cicloviária importante e o carioca tem uma cultura de bicicleta.
Ecoa: Quais os critérios para escolher onde colocar estações pelas cidades?
Luciana Nicola: Os lugares das estações não são aleatórios. Eles são conectados com o transporte público e serviços. A ideia é tirar a pessoa do carro individual e levá-la para o transporte público. De tempos em tempos, os mapas precisam ser estudados para que o sistema seja reorganizado. O projeto não é uma ação de marketing, ele serve para influenciar o deslocamento das pessoas, optando por um sistema que é menos emissor, por isso deve ser feito em conjunto com o poder público.
Ecoa: Dentro dos transportes, o Itaú Unibanco tem mirado os biocombustíveis também.
Luciana Nicola: Sim. O Brasil tem um potencial muito grande que é o etanol. Se você trocar a gasolina comum do seu carro pelo etanol, já reduz 93% as emissões do seu carro. Então estamos vendo com as montadoras para entender quais são os planos e as alternativas. E mais: como será a transição justa neste setor? Como ela vai chegar nas pessoas que não tem acesso? Existem grandes e pequenas oficinas: como será a qualificação de mão de obra para esta tecnologia de carros elétricos e novos combustíveis? Quando eu falo de descarbonização do Itaú estou vendo todo um ecossistema, toda uma cadeia.
Ecoa: Onde está o principal gargalo?
Luciana Nicola: No engajamento. As empresas já entenderam os riscos e oportunidades das mudanças climáticas. Porém, menos de 20% faz o inventário das emissões de carbono. Ou seja: não fazem nem a lição de casa. Então fazemos um trabalho educacional. Depois entramos no advisory e, num terceiro momento, acompanhamos o plano para ver de que forma ela está reduzindo estas emissões.
Ecoa: Você acredita que o engajamento pode aumentar com a proximidade da COP no Brasil?
Luciana Nicola: Antes disso temos a COP 29. Ela é importantíssima porque vamos falar de financiamento, como acessar como acessar o fundo de perdas e danos. Se a gente não resolver isso agora, vai ficar para a COP 30. Vamos ajudar nossos clientes a entender como podem se engajar nesta agenda de verdade. Na COP 30, acontecerão negociações globais que podem mudar tudo, não só para as empresas que atuam no mercado local, mas também para as que exportam. Estamos falando de uma subida de régua regulatória de outros países que pode inviabilizar a exportação de muitos produtos brasileiros. Então esta será a grande oportunidade de colocar de vez a pauta climática no radar da iniciativa privada brasileira.
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