Mariana Sgarioni

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Diretora-geral do IBGC aponta: governança custa caro, porém reduz riscos

A governança - letra G do ESG - é um vespeiro que ninguém gosta muito de mexer. Porém, de tempos em tempos, fraudes e escândalos são revelados - como o caso das Americanas. Quem está por trás? A governança. Sem ela, não há transparência e não existe ESG que fique de pé. Para desenvolver qualquer prática ambiental e social dentro de uma empresa é preciso, no mínimo, planejamento, estratégia, um desenho de riscos e oportunidades. Tudo feito por uma governança estruturada e robusta.

"A governança precisa acontecer de fato e não só estar no papel. Se ela não existe na essência, na prática do dia a dia, não adianta nada. Isso começa na liderança, que traz a cultura, os princípios, a estratégia, e os propósitos ligados ao que a empresa entrega de valor para a sociedade", diz Valéria Café, diretora-geral do IBGC (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa) e professora convidada da FGV (Fundação Getulio Vargas). O IBGC, que trouxe o conceito de governança ao Brasil, é hoje uma das maiores organizações que tratam do assunto no mundo e conta com cerca de 2.500 associados no país.

Segundo a executiva, a fraude descoberta nas Americanas, assim como a recente Operação Greenwashing, da Polícia Federal, que desmontou uma organização criminosa de vendas de créditos de carbono, fizeram com que a sociedade e o mercado olhassem para a governança corporativa com mais cuidado - além de reacender o debate sobre o papel dos conselhos de administração dentro de uma companhia.

Na entrevista a seguir, Valéria ajuda a trazer este conceito para mais perto, mostra o porquê a governança facilita as tomadas de decisões e ainda fortalece uma imagem mais positiva da empresa.

Ecoa: O G, de governança, é a letrinha mais escondida do ESG. Por que é tão difícil falar sobre ela?
Valéria Café:
Talvez porque ela não seja muito óbvia. A sigla ESG veio do mercado financeiro em 2004 e ficou meio abandonada até 2020, quando surgiu a pandemia. Foi então que o mercado passou a se preocupar com a saúde e o bem estar no mundo e de que forma isso impactava os negócios. Os riscos ambientais e sociais entraram nessa conta, e, principalmente, a forma como a governança entrava na prevenção destes riscos. É importante trazer aqui o conceito de governança corporativa, que é um sistema formado por regras e políticas que garante que as iniciativas aconteçam de fato e não apenas no papel. Este sistema é formado por 5 princípios pelos quais as organizações são dirigidas e monitoradas: integridade, transparência, responsabilização (accountability), equidade e sustentabilidade. Acho importante conceituar primeiro para depois ver como organizar - e seguir - estes princípios.

Ecoa: Muitos destes conceitos são relativamente novos.
Valéria Café:
Quem trouxe o conceito de governança para o Brasil foi o IBGC em 1995, quando traduziu o termo do inglês para o português. Entretanto, a governança evoluiu de acordo com o mercado. Nosso código é feito a muitas mãos e traz a evolução da sociedade brasileira. O conceito de equidade, por exemplo, mudou muito. Antes, tratava-se apenas de como o mercado de capitais poderia enxergar da mesma forma sócios de diferentes tamanhos. Hoje, este conceito se tornou mais amplo e abrange todos que podem ser impactados pela governança de uma empresa. O próprio conceito de governança mudou e agora falamos no quanto a empresa impacta a sociedade. Além do mais, trouxemos o princípio da integridade, que é algo novo também.

Ecoa: E o que significa integridade dentro da corporação?
Valéria Café:
Trata-se da prática e da promoção de uma cultura ética, evitando decisões sob a influência de conflitos de interesses, mantendo a coerência entre discurso e ação, preservando a lealdade à organização e o cuidado com suas partes interessadas, com a sociedade em geral e com o meio ambiente.

Ecoa: Escândalos recentes, como o caso das Americanas, apontam falhas graves deste princípio de governança?
Valéria Café:
Qualquer caso de fraude ou escândalo corporativo mostra que há uma disfuncionalidade interna e, para que seja possível compreender em profundidade, é preciso analisar os comportamentos e vieses cognitivos e culturais dos envolvidos nesse ecossistema. Quem deveria monitorar e fiscalizar as atividades da organização? A cada caso como este sobe a régua da governança, aumenta o interesse sobre o assunto, todo mundo passa a prestar a atenção no que significa a governança e o que ela é capaz de fazer.

Ecoa: Dados recentes apontam que apenas 29% dos relatórios de sustentabilidade tiveram seus dados auditados. A falta de verificação externa propicia o greenwashing?
Valéria Café:
A asseguração (verificação externa) é um olhar de fora, uma forma como as empresas podem saber se tudo está funcionando bem, além de chamar a atenção também para oportunidades que não foram vistas. Por enquanto, não é obrigatória, mas em breve será. Entretanto, isso custa dinheiro e muitas empresas preferem não pagar. É importante lembrar que a governança custa caro, sim, mas ela reduz riscos e fraudes. Portanto, é uma despesa que vale a pena.

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