Mariana Sgarioni

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Reportagem

Bolha das empresas não vê sustentabilidade da vida real, diz executivo

As métricas de combate ao racismo e todas as formas de discriminação dentro do ambiente corporativo nem sempre são claras. Apesar de serem ações que vão além do ESG - tratam-se de um compromisso global - os números ainda apontam baixa representatividade de pessoas negras, sobretudo mulheres, em posições de liderança nas grandes corporações brasileiras.

A Iniciativa Empresarial pela Igualdade Racial é o maior movimento para a promoção da equidade da América Latina e conta com o mais preciso indicador de mercado para avaliar de maneira objetiva a ação das companhias com relação à temática racial. No Brasil, já são mais de 60 grandes empresas signatárias e que utilizam este índice para suas tomadas de decisão.

"Há um movimento de mudança em andamento e empresas engajadas em realizar sua transformação. Entretanto, o tema é complexo e somente boa vontade não basta. É importante apontar que ESG não é apenas meio ambiente. E sustentabilidade não é só carbono. Temos pessoas que estão diretamente envolvidas", diz Raphael Vicente, diretor geral da organização e professor convidado da Fundação Dom Cabral.

O executivo explica a seguir como os conceitos ambientais e raciais estão interligados e por quê, no Brasil, esta transversalidade ainda está engatinhando. É o que ele chama de "sustentabilidade da vida real".

***

Ecoa: Você acha que existem distorções no conceito de sustentabilidade no Brasil?
Raphael Vicente:
Sim. Tratamos temas como direitos humanos, justiça social, justiça climática, racismo ambiental e sustentabilidade como se fossem realidades paralelas. A sustentabilidade não é só o C do carbono. Estamos falando de uma conta que sempre termina nas pessoas. Se o planeta Terra cozinhar, quem não vai sobrar será o ser humano. No Brasil, a gente fica falando superficialmente de mudanças climáticas, ou descarbonização, mas não fala dos principais afetados e dos principais destinatários dessas políticas.

Ecoa: E como as empresas tratam disso?
Raphael Vicente:
Quando a gente fala de ESG, é claro que o recorte ambiental deve ser olhado, é preciso sim mitigar as emissões, fazer relatório. Porém, se você não olhar para o S, ou seja, não tratar do ambiente que a empresa está instalada, não cuidar das condições sociais do colaborador e se não tiver um processo decisório bem definido, claro, transparente, é óbvio que o negócio vai explodir em algum momento. E o S tem sido muito maltratado.

Ecoa: Por que?
Raphael Vicente:
Fizemos um estudo com todas as nossas empresas associadas e todas listadas na B3. Eram aproximadamente 500 das maiores empresas do Brasil. Descobrimos que nenhuma delas leva em consideração o tempo de deslocamento do colaborador de casa ao trabalho e vice-versa. Estamos falando de pessoas que moram em regiões afetadas pelos eventos climáticos extremos, de periferias. E isso simplesmente não está mapeado. Se a empresa não sabe nem onde o colaborador mora, como ela vai cruzar o risco da área e se preparar para eventualidades? Temos todos os dados mostrando que nunca houve tantos problemas de saúde mental no mercado de trabalho. Estamos falando de pessoas que estão doentes e não conseguem performar. Que sustentabilidade é essa?

Ecoa: São recortes.
Raphael Vicente:
As empresas estão desatentas aos dados e ao que a realidade está apontando para elas. Muitas vezes estão atrás de prêmios, como melhores empresas para trabalhar. Eu sempre falo: Melhor para quem? Para as mulheres, não são. Para os negros, também não. Para mulheres negras, pior ainda.

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Ecoa: Como vocês orientam o S para as empresas?
Raphael Vicente:
Vamos voltar um pouco antes do ESG, ao Tripple Bottom Line. Em vez de falar de S, vamos falar de pessoas. Porque o S é confuso e para muita gente não quer dizer nada. Ele vai desde a pessoa com deficiência até o deslocamento do colaborador. O social é tudo. Então quando você tinha ali pessoas estava melhor definido. Tem uma pergunta simples que orientamos as empresas, muito usada no IBGE, que é capaz de oferecer quase o arco inteiro de sustentabilidade: quantos banheiros tem na sua casa? A partir desta resposta, você descobre a classe social, onde a pessoa mora, se ela tem saneamento básico, condições sanitárias. Imagina descobrir que boa parte da sua força de trabalho simplesmente não tem banheiro em casa! Poucas corporações se preocupam em saber disso. Mas estão levantando a bandeira de carbono. Esta é a sustentabilidade da vida real, muitas vezes descolada das bolhas das grandes empresas. Nosso trabalho é chamar essa atenção.

Ecoa: Seria uma interdisciplinaridade entre as três letras do ESG.
Raphael Vicente.
Sim. Precisamos preparar as empresas brasileiras para esta discussão. Vou te dar um exemplo: 70% das moradias irregulares que estão nas regiões de mananciais de São Paulo são ocupadas por pessoas negras. É disso que trata o racismo ambiental, mas o Brasil pouco sabe. Em 2020, fizemos um fórum em que precisamos preparar um paper explicando isso, pois achavam que o termo se referia a racismo de floresta.

Ecoa: Vocês mostram este caminho das pedras para as corporações?
Raphael Vicente:
Não somos prestadores de serviço. Estamos nas empresas para construir junto algo disruptivo, criar algo novo. Criamos o Índice de Equidade Racial que foi construído em 2019 e hoje é uma referência nacional. A gestão dos programas de diversidade e inclusão racial nas empresas passaram a ter uma ferramenta que lhes confere não só objetividade como a possibilidade de mensuração e gerenciamento, tornando possível observar a conjuntura da empresa, por meio, inclusive, do histórico e da referência do mercado. Acreditamos em pedra, cimento e areia. Demora pra construir, mas chegamos lá.

[Esta reportagem faz parte da newsletter "Negócios Sustentáveis". Inscreva-se para receber gratuitamente no seu email toda segunda-feira]

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