'Brasil deve reforçar agências reguladoras', diz VP da Siemens Energy
Quando o assunto são energias renováveis, o Brasil nada de braçada. E fez bonito no G20, jogando na mesa todas as suas (muitas) possibilidades de liderar este setor em todo o planeta. Porém, nosso desafio agora é interno: para o país chegar, enfim, a uma transição energética justa será preciso investir na governança com um grande reforço das agências reguladoras.
É o que pensa André Clark, Vice-Presidente Sênior da Siemens Energy para a América Latina. Clark vem participando ativamente dos debates e das formulações de políticas públicas com autoridades e representantes da indústria.
"O crescimento das agências reguladoras é fundamental no momento. Nós já somos uma potência energética e mineral. Se incluirmos a governança e o ambiente de negócios, nos tornaremos também uma potência industrial. Graças à nossa neutralidade política poderemos servir tanto aos Estados Unidos, como a China ou Europa", defende.
A Siemens Energy foi fundada em 2019 a partir das demandas mundiais para a transição energética. Presente em 90 países, a empresa é hoje uma líder global em tecnologias e soluções para toda a cadeia de valor de energia, atendendo grandes projetos de infraestrutura, desde a geração e transmissão até a gestão operacional. Para se ter uma ideia, estima-se que 1/6 de toda energia do mundo seja baseada em tecnologias da empresa. Alguns projetos incluem a primeira planta de eletro combustíveis a partir de hidrogênio verde no mundo. No Brasil, a companhia é uma das principais acionistas da Gás Natural Açu, o maior parque termelétrico a gás natural da América Latina, localizado no Porto do Açu (RJ).
Na entrevista a seguir, André Clark fala da posição do Brasil na transição energética, destaca a importância do diálogo entre agendas climáticas, a necessidade de investimentos em infraestrutura e governança, ressaltando a independência das agências reguladoras.
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Ecoa: Você esteve presente nas principais conferências internacionais relacionadas ao mercado de transição energética. O mundo está a nosso favor?
André Clark: As mudanças climáticas afetam os países tropicais desproporcionalmente se compararmos aos países frios, como estamos observando. Em especial, os países de renda média, com infraestruturas ainda não tão robustas, criando custos importantes. Contudo, alguns elementos nos permitem ser um pouquinho otimistas como brasileiros. Estamos assistindo a um enorme investimento em renováveis, com a China entrando pesado neste jogo. Nossa neutralidade geopolítica faz com que a relação do Brasil com a China seja positiva, o que nos favorece. Na verdade, o mundo está percebendo que não é só na COP ou no G20 que se discute clima: é em todos os lugares onde houver diálogo.
Ecoa: E o Brasil sabe dialogar.
André Clark: Sim. O país fez bonito na orquestração do G20, trouxe pontos importantes para esta agenda, como o combate à fome, que tem tudo a ver com diversidade, destruição da natureza e assim por diante. Está tudo conectado. Trouxemos também as discussões sobre mudanças climáticas não apenas pelo ponto de vista brasileiro, mas pela perspectiva mundial. Essa visão é muito importante porque deságua num ambiente brasileiro, que apresentou um plano de economia compatível.
Ecoa: O país também tem um lugar de fala importante sob o ponto de vista energético.
André Clark: Sem dúvida. Somos campeões energéticos sob todos os aspectos. Nós já descarbonizamos a matriz elétrica e há um grande espaço para descarbonizar a matriz de transporte, seja no combustível de aviação sustentável, o SAF, seja na substituição do diesel por biodiesel e tantas outras alternativas. Existem poucos países no mundo, talvez só o Brasil, com excesso estrutural de energia renovável. Temos energia excedente. Já foram anunciados bilhões de reais em datacenters no país - isso significa demanda para esta energia. São players escolhendo onde colocar seus investimentos. Esse negócio tem o potencial de movimentar o PIB brasileiro e está acontecendo muito rápido, na velocidade digital. É apenas um exemplo de posicionamento benéfico em tantos aspectos.
Ecoa: O que dificulta uma transição energética justa no Brasil?
André Clark: Em primeiro lugar, o lobby das fontes. O lobby da solar, da hidrelétrica grande, média, pequena, o lobby do gás... Essa é uma visão ultrapassada e é profundamente deletéria. Em segundo lugar, é preciso um grande esforço conjunto de governança do sistema energético brasileiro com reforço das agências reguladoras. Aneel, ANP, de minerais, transportes, aeroportos, das infraestruturas e tudo mais. O crescimento dessas agências é fundamental para a transição energética justa no Brasil. Cada uma dessas agências pode e deve ter a independência de um Banco Central. Então, eu diria que a transição energética justa brasileira tem a ver com governança, e como aqui tudo é muito politizado, esse é o nosso principal desafio.
Ecoa: Por que?
André Clark: Imagine passar por grandes transtornos climáticos, como foi no Rio Grande do Sul, sem uma relação clara entre a sociedade e os operadores dos sistemas energéticos. Tem que ter procedimentos, governança de qualidade, forte, eficiente e bem amparada. Somos uma potência energética e aqui cabem todas as energias. Porém nosso desafio é interno. Há quase 60 anos, o mercado de capitais tinha uma regulação frágil e criou o Banco Central. Hoje, é uma instituição atuante, respeitada pela sociedade. Por que não podemos ter o mesmo com as agências? A oportunidade é agora. Nós voltamos a ter uma posição emblemática na diplomacia climática, no desenvolvimento, na transição justa, no combate à fome no mundo. Os investidores estão chegando aqui. Precisamos de uma governança preparada.
Ecoa: Conseguiremos chegar lá?
André Clark: O Brasil já fez diversas políticas públicas na área de energia e indústria. Foram as políticas públicas que nos permitiram investir bilhões em eólica, com subsídios do BNDES, outros bilhões em solar, e nos tornarmos essa potência verde. Isso sem falar em toda a jornada do etanol. Então, são as políticas públicas brasileiras que, apesar dos trancos e barrancos, das crises internacionais, que nos trouxeram até aqui. Por isso, a resposta é: sim, sou bastante otimista com o Brasil.
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