Mariana Sgarioni

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Reportagem

Indústria deixa de reciclar PET por falta de coleta, diz executivo

Muita gente torce o nariz quando o assunto são as polêmicas garrafas PET, que se tornaram um símbolo do lixo plástico que se acumula em aterros e oceanos. Neste fim de ano, época de festas, estas embalagens protagonizam dez entre dez fotos de resíduos que sobram e são descartados de forma inadequada.

Porém, segundo Auri Marçon, presidente executivo da Associação Brasileira da Indústria do PET (ABIPET), esta reputação é injusta. "O PET é o plástico mais reciclado no Brasil e no mundo. Ele é o mais nobre que existe e pode ser reutilizado inúmeras vezes, até infinitas vezes", defende. Ele aponta que a má fama do PET se deve à falta de coleta seletiva no Brasil: dados da ABIPET mostram que a indústria chega a ter 40% de ociosidade de sua capacidade instalada de reciclagem por falta de matéria-prima. Em vez de chegarem na reciclagem, todo mundo sabe onde essas embalagens usadas vão parar.

Neste ano, foi realizado um estudo inédito no Brasil chamado a "Análise do Ciclo de Vida da Embalagens PET para Alimentos Líquidos", conduzida por especialistas, pela ABIPET, o apoio da Associação Brasileira das Indústrias de Refrigerantes e Bebidas Não Alcoólicas (ABIR) e da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (ABIOVE). O objetivo é o de orientar o mercado e os consumidores sobre qual é a melhor opção de embalagem do ponto de vista ambiental. Foram comparadas as embalagens mais utilizadas para o envase de líquidos (água, refrigerante e óleo comestível). O resultado final é que o PET demonstrou um desempenho superior a todas as outras alternativas.

De acordo com o estudo, por exemplo, uma embalagem PET de 500ml utiliza 53% menos água em relação à embalagem de alumínio. Quando comparada ao vidro, a PET usa 86% menos água e tem 99% menos ocupação de solo.

Dados da ABIPET apontam ainda que 56,4% de todas as embalagens de PET pós-consumo são recicladas no Brasil e, deste total, 29% se tornam uma nova embalagem. Somente em 2021, mais de 12 bilhões de garrafas voltaram ao mercado após a reciclagem.

Para falar um pouco sobre a grandiosidade destes números e também da complexidade da cadeia de reciclagem no Brasil, a coluna conversou nesta semana com Auri Marçon, empresário que, há pelo menos três décadas, acompanha o movimento deste mercado, seja do ponto de vista da indústria como também das políticas governamentais.

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Ecoa: As garrafas PET são um dos resíduos mais encontrados nos oceanos e podem demorar 800 anos para se decompor. Podemos falar em sustentabilidade deste material?
Auri Marçon:
Quando a gente fala de PET, gostaria de trazer mais sorrisos e menos caras feias. O PET é um plástico diferenciado, o mais reciclado no Brasil e no mundo. Ele nem foi criado para ser uma garrafa, nasceu para a indústria têxtil: foi inventado como fibra no pós-guerra. Tanto é que ele funciona muito bem quando reciclado com poliéster. Muitas coisas hoje são feitas a partir de PET reciclado e você nem imagina: filtros de coifas, mantas para drenagem de água em estradas e prédios, tênis, tintas, móveis, carpetes, até pára-choques de caminhões estão sendo feitos de PET. A maioria das grandes indústrias já fazem o bottle to bottle, ou seja, utiliza garrafas antigas para fazer novas.

Ecoa: Onde está o gargalo?
Auri Marçon:
Na coleta e na separação. No Brasil, continuamos enterrando junto com rejeitos orgânicos um rico material de embalagens que poderia gerar renda na base da pirâmide social e devolver à sociedade novos produtos de valor agregado. Isso tem muito a ver com o descarte, em primeiro lugar: o material deve estar limpo e separado. Se estiver sujo e misturado aos alimentos ele vai para o aterro.
Discutimos isso exaustivamente durante a Política Nacional De Resíduos Sólidos, quando escrevi o capítulo sobre PET, e seguimos neste debate até hoje. A sustentabilidade deste produto funciona com base em 4 elos: de onde vem os materiais, como eles chegam na indústria, como serão reciclados e qual tecnologia será usada. O desafio mesmo de todo este processo está na coleta. Não tem matéria-prima para abastecer a indústria da reciclagem, que chega a 40% de ociosidade. As empresas investem em equipamento e fica tudo parado porque a matéria-prima não chega.

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Ecoa: Por que não?
Auri Marçon: Nossa cobertura de coleta seletiva é mínima. Menos de 10% das cidades brasileiras mantêm um sistema de coleta seletiva. E mesmo assim não existe país do nosso tamanho que recicla tanto: no Brasil hoje mais de 56% das garrafas PET são recicladas. É um número excelente diante do sistema falho que temos. Hoje 90% das embalagens que serão recicladas vêm de catadores e sucateiros.

Ecoa: Mas o trabalho dos catadores não é profissionalizado ainda.
Auri Marçon:
Pois é. Para que o processo seja eficaz de verdade, mais do que cooperativas de catadores, precisamos de centrais de separação para ganhar escala. O PET é a segunda maior fonte de renda para os catadores. Então, eles devem seguir fazendo parte do processo com um ponto de equilíbrio. Em primeiro lugar, temos que resgatar a cidadania destas pessoas. Elas precisam ser treinadas para separar. Existe todo um trabalho que começa no social e depois migra para o profissional. Tem uma transição. Um catador hoje pode virar uma cooperativa amanhã e depois virar uma pequena empresa.

Ecoa: Como acelerar este processo?
Auri Marçon:
As prefeituras têm a obrigação de implantar a coleta seletiva. Está na lei, mas isso vem sendo adiado. Se as prefeituras criarem centros de triagem, os catadores podem organizar estes centros. Estas centrais seriam sistemas híbridos que podem funcionar. Você ganha escala e tem geração de emprego. A receita gerada pelas embalagens PET somente na coleta e separação para sucateiros e catadores chegou a R$ 1,5 bilhões no ano passado. O material é atrativo e os catadores sabem disso.

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