Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
'Espectro de aliança': A estratégia de mobilização a ser usada nas eleições
Sou fã do Greg News. Inspirado pelo episódio da semana passada, vou elaborar sobre uma clássica tática de engajamento, eficaz já há décadas, que foi citada no programa. Com as eleições em vista e as múltiplas crises que se desdobram diariamente, ajuda ter um planejamento mais nítido sobre como contribuir com as possíveis mudanças.
Chamada de "espectro de alianças", essa estratégia é sintetizada num mapa de engajamento para identificar os tipos de pessoas ou grupos com os quais a união seria benéfica. Após a identificação precisa, fica mais fácil adaptar o diálogo que facilita a aliança. Como o engajamento buscado não envolve nenhuma conversão radical — mas, sim, apenas um gentil empurrão para a direção em que já há uma tendência — as chances são muito melhores do que as frustrantes ladainhas de convencimento ou calorosos debates que só geram mais frustração.
Nessa abordagem, não é preciso conscientizar, ou então, refutar opiniões alheias. Muitas vezes, as pessoas estão prontas para concordar; o que está faltando é apenas uma palavra hábil, uma porta de entrada, um convite.
Esse mapa foi sistematizado pelo estadunidense George Lakey, um veterano na luta pelos direitos civis de Martin Luther King Jr., mas que já estava sendo usado de modo orgânico no movimento. Algo que contribuiu bastante para sua vitória foi o reconhecimento de que não era preciso subjugar na marra os grupos e sistemas racistas, mas sim trazer o apoio das pessoas neutras e mais engajamento das simpatizantes, enfraquecendo de modo crucial os opressores. Como disse King:
"No final, o que lembraremos não serão as palavras de nossos inimigos, mas o silêncio de nossas amizades."
Desde então, essa estratégia e outras — entre elas, algumas que são traçadas de volta até a não-violência de Gandhi — passaram a integrar a cartilha de movimentos socioambientais por todo o mundo.
Apesar do foco em ação direta e organização coletiva, esse mapa também é bastante útil em um nível mais pessoal. Conversar de modo significativo com quem conhecemos é algo que qualquer pessoa pode fazer, e tem um impacto maior do que imaginamos. É esse aspecto que vou enfatizar.
Aprendi sobre isso em treinamentos de ação direta não violenta do Extinction Rebellion, um movimento global de mobilização em relação às emergências ambientais. Como essa é uma causa de coração para mim, vou usá-la como exemplo. Mas a técnica pode ser usada em qualquer contexto — por exemplo, para as eleições.
Oposição ativa
Na extrema-direita do gráfico, "oposição ativa" se refere a quem ativamente se engaja, neste exemplo, contra a mobilização pelo meio ambiente. Aqui entram atividades como negacionismo, campanhas de desinformação, de difamação etc. No ativismo ambiental, a tentativa de diálogo com tais pessoas acaba sendo um desvio ou distração que consome muita energia e tempo, resultando em apenas desgaste.
O melhor é ignorar quem conscientemente propaga desinformação. Já campanhas de esclarecimento sobre fake news etc não se enquadram nesta categoria — que se refere a um diálogo ou debate — e, obviamente, são sim muito benéficas.
Pessoas desavisadas que acabam acreditando nessas teorias geralmente fazem parte da "oposição passiva" ou "neutra" — já que não têm convicção.
Também é comum que pessoas em oposição ativa se tornem passivas por mero constrangimento público. Por exemplo, fora de certas bolhas, o negacionismo climático é visto socialmente como equivalente ao terraplanismo. Então, às vezes, é válido facilitar gentilmente esse processo.
Oposição passiva
Essas pessoas ou grupos discordam da causa, mas não vão tentar impedir nenhuma mobilização ou campanha. No contexto da atuação de coletivos, esse grupo também pode ser ignorado, já que isso libera tempo para a concentração no que realmente importa.
Já no nível pessoal, vale sim conversar, gentilmente apontando a neutralidade como uma posição mais razoável, demonstrando a falácia de teorias negacionistas.
Em conversas sobre meio ambiente, não é tão difícil fazer isso, pois mesmo pessoas em "oposição passiva" se preocupam com a destruição da natureza e seu ambiente. Geralmente, basta não politizar demais a questão para uma aterrissagem tranquila no consenso sobre o absurdo que é negar a crise ambiental.
Pessoas neutras
Basicamente, a neutralidade é sobre não ter opinião formada, ou então, guardar incerteza sobre as informações consumidas. O objetivo aqui é facilitar o reconhecimento de que, sim, é necessária ação em relação à destruição do ambiente em que vivemos. Na verdade, a pessoa já sabe disso, mas esse entendimento pode estar nublado pelo caos ao redor. Não é preciso empurrar em direção ao engajamento ativo: permitir que a pessoa reconheça e concorde já é uma vitória.
Aliança passiva
Essas pessoas concordam, mas não estão dispostas a atuar ativamente, por questões pessoais diversas, como falta de tempo, desânimo etc. As justificativas baseadas em visões de mundo é onde podemos atuar. Por exemplo, há quem acredite que qualquer iniciativa não resulta em nada, que ela não fará diferença, que o sistema é muito poderoso, não há solução viável etc.
Apresentar argumentos que neutralizem essas ideias é difícil. Mais fácil é dar exemplos práticos do contrário: todo grande avanço social e político da história começou com o engajamento individual de simpatizantes, e isso está muito vivo ainda hoje, como nos diversos movimentos por mudanças, que efetivamente alteram as visões e políticas nas sociedades.
Aliança ativa
Em termos de mobilizações coletivas, trazer pessoas — gradualmente, conforme as etapas anteriores — para este nível de engajamento é o santo graal. Para facilitar o salto de simpatizantes ("aliança passiva") em direção à ação, o desafio é encontrar a tendência que já existe, e estimulá-la.
Movimentos chegam à vitória com uma participação ativa muito menor do que se imagina: caso 3,5% de uma sociedade se engaje em uma causa, sempre há vitória, conforme a pesquisadora de Harvard Erica Chenoweth levantou.
Não é preciso convencer a maioria da sociedade para efetivar mudanças. Um percentual relativamente pequeno de ativistas, com uma boa porção de apoio passivo da sociedade (ou seja, concordância de que a causa é justa), bastam. Ainda assim, é desafiador, mas muito menos do que imaginamos.
Em resumo, o "espectro de alianças" se baseia no fato de que as pessoas que importam para a vitória já têm certo engajamento, mesmo que apenas potencial. E o salto que elas podem dar não se baseia em convencimento: elas já estão predispostas ao avanço. O que falta é um empurrãozinho.
Erros comuns
Quando não há muita clareza sobre esses níveis, é comum o foco exclusivo nas "alianças ativas", o que resulta em "pregação para a claque": o alcance fica restrito ao número estanque de pessoas que já estão dentro.
Também é um erro corriqueiro tratar toda discordância como se isso fosse oposição ativa. Não é. Geralmente, pessoas meramente discordando estão neutras ou em oposição passiva.
Outra falha é falar sobre determinada causa usando sua suposta ética e moralidade para tentar convencer os "imorais" — em essência, é a tática da conversão religiosa. Apesar de ser uma abordagem pouco sutil, ela aparece o tempo todo, por exemplo, nas redes sociais, memes etc.
Falando em redes sociais, é melhor conversar fora delas. Fatores como a saturação, ruído e a encarnação de personagens ideológicos impedem a comunicação significativa. Na verdade, isso estimula a radicalização: as pessoas apenas vão se entrincheirando cada vez mais. A conversa pessoal é muito mais sã.
Focar na oposição também costuma ser frustrante. O modo como esse mapa é usado com eficiência é mirar na fatia neutra em diante.
Tentar usar a mesma comunicação para todas as pessoas também não funciona. Este é exatamente o ponto desta tática: cada tipo de pessoa ou grupo responde de maneira diferente. Quanto mais precisa for a identificação do engajamento, e os valores correspondentes, mais eficiente será o diálogo.
Outro ponto central desta técnica é que não funciona tentar fazer as pessoas darem um grande salto de uma vez só, chegando diretamente como "aliadas ativas". O caminho é percorrido com um passo de cada vez.
Atenção
Vale lembrar também que muitos movimentos bem organizados já usam essas técnicas, incluindo a oposição. Por exemplo, nos EUA e até aqui no Brasil, a ultradireita também se baseia nos manuais de ativismo de Gene Sharp, outro especialista em táticas de ação direta não violenta — apesar de o autor integrar um espectro ideológico radicalmente oposto ao conservadorismo.
Vale a pena cultivar atenção sobre si, em relação a tendências que apontam para a direção oposta. Elas, naturalmente, surgem. Por exemplo, desânimo, dúvidas sobre as abordagens de seu movimento, a fadiga do desgaste etc. É nesse tipo de contexto que ficamos vulneráveis, e podemos começar a caminhar para o outro lado.
Mudanças de visões de mundo são sempre bem-vindas, mas estou me referindo aqui a uma falta de presença, ou comprometimento, que pode terminar em apatia, hipocrisia ou até atividades menos benéficas. Por exemplo, a ideia de que não podemos contribuir com nada. Vale a pena cultivar a lembrança: podemos sim, sempre.
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