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Milo Araújo

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Parece que se frear o carro quebra

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Imagem: iStock

08/04/2022 06h00

Eu moro numa rua de mão única. Próximas ao prédio em que moro existem duas faixas de pedestre, com uma distância de mais ou menos 60 metros entre elas. A primeira fica de frente para uma mercearia fofa de bairro, e a segunda dá para uma escola infantil. Velhinhos, adultos e crianças costumam ficar longos minutos esperando todos os carros que estavam parados no farol lá na avenida passarem, para só então atravessarem com segurança. Ficam lá na calçada, com passos hesitantes e olhares de súplica olhando para a fila imparável de carros. Eu observo cenas como essa com muita revolta. Mesmo quando na ausência de trânsito intenso, os carros ignoram as pessoas que tentam atravessar.

Quando é a minha vez, eu subo na faixa de pedestre e projeto meu corpo pra frente, deixando muito evidente a minha intenção de atravessar a rua e diminuindo as possibilidades de alegarem que não me enxergam. Mesmo assim muitas vezes sou ignorada. Até mesmo levanto os braços e começo indicar a faixa, falando de forma clara para que meus lábios possam ser lidos "faaaaixa de pedestreeeesss". Os motoristas, que se aproximam em velocidade muito acima dos 30 km/h permitidos nesta via, freiam de forma deselegante, com olhares impacientes e respirações bufantes. Nos encaram com uma cara feia de gente que acabou de ser atrapalhada por essa inconveniência chamada respeito à cidadania alheia. Não chegam a aguardar nossa passagem até o outro lado, quase passando em cima dos nossos calcanhares, arrancando em velocidade alarmante para logo menos frear bruscamente no farol vermelho duas quadras abaixo.

A cena muda. Estou num carro de aplicativo como passageira, acompanhada do meu namorado e sua tia. Estamos indo a uma festa de aniversário de um familiar. Lá do banco traseiro, assistimos ao que poderia ter sido uma tragédia, mas não foi por um triz. Um carrão grandão, dessas SUVs, numa rua espaçosa e sem trânsito intenso, de forma completamente intencional e deliberada, joga a frente do carro em direção à roda traseira de um ciclista que ia a frente. Nos parece que a intenção era a da famosa "fina corretiva", que é quando os motoristas se sentem no direito de assustar um ciclista por não concordarem com seu estilo de vida ou algo do tipo. Enfim, levamos um susto e ficamos muito indignados.

Essas duas situações têm em comum a completa falta de empatia dos sujeitos quando estão na condição de motoristas. Não existe preocupação na possibilidade de matar alguém por nada. Sinceramente, me sinto exasperada escrevendo sobre o assunto, então esse texto tem um caráter bastante de desabafo. Gente, não podemos normalizar essas bestialidades no trânsito. Passamos a vida nos locomovendo e é muito triste ficar topando com essas figuras raivosas e apressadas. Converse com as pessoas ao seu redor, fale sobre harmonia e respeito. Qualquer um pode perder a vida a qualquer momento nessa guerra sobre rodas que acontece em São Paulo.