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M.M. Izidoro

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

O que nos falta é o ato de amar

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M.M. Izidoro

Colunista do UOL

24/10/2022 10h33

Como vocês sabem, um dos meus temas principais aqui na minha coluna é saúde mental.

Eu ando percebendo que não está fácil para ninguém nesses últimos tempos. Não importa sua cor, raça, visão política ou gênero, parece que está todo mundo mal.

Tá todo mundo cansado, ansioso, triste e machucado.

Mas ao invés de falar com todo mundo, hoje eu queria tomar esse espaço para falar um pouco da minha saúde mental.

Duas semanas atrás eu tive uma crise de ansiedade gigante que cresceu muito rápido e se transformou em uma crise de pânico no meio de um bar no centro de São Paulo.

Foi horrível sentir tudo isso de novo. Algo que nunca achei que ia sentir mais, mas estava lá. Escancarando medos e reabrindo feridas e sentimentos que eu achei que estavam muito longe de mim.

Veja bem, eu me cuido horrores para isso não acontecer. Medito todo dia, cuido do meu sono, faço exercícios físicos, converso abertamente sobre o tema (como estou fazendo agora) e faço terapia.

Mas dessa vez foi maior que eu. E olha que sou um homenzarrão.

Não foi nada legal e eu espero não passar por isso de novo tão cedo. Se tudo der certo nunca mais.

"Mas o que isso tem a ver com o título da matéria, meu colunista?!", você deve estar se perguntando ai.

E eu respondo, foi nessa crise que eu entendi o que é amor para mim.

Durante muitos anos, eu fui um romântico de carteirinha. Mandava cartas longas, flores, presentes, adorava dizer eu te amo. E o amor para mim era ter isso de volta, era ter alguém que me falasse e fizesse esses mesmos grandes gestos para mim.

Não tinha outra opção.

E assim, me senti sozinho por muito tempo, por que isso tudo é insustentável. É uma construção feita por filmes, livros e uma ideia de amor que serve para vender coisas. Funciona por segundos em um filme, mas não sustenta nenhuma relação. É praticamente um fast food dos sentimentos.

Hoje, mais velho e um pouco mais experiente, eu entendo o amor não como uma palavra, mas como um gesto. Um verbo tal qual andar, correr, beijar que existe enquanto ação, mesmo que a ação for dentro do seu peito.

No meio da minha crise - que durou apenas dois dias, que pareceram semanas - eu entendi que tudo que eu precisava naquele momento era de um ato de amor. Do tamanho que fosse.

E sorte minha que foi isso que eu recebi da minha rede de apoio. Da minha família e de amigos. Quando eu falei para eles o que estava acontecendo, eles se apresentaram para cuidar de mim do jeito que cada um conseguia.

No começo eu me senti muito sozinho, mas aos poucos isso foi mudando, pois os atos de amor foram se tornando concretos e até o menor deles foi se tornando gigante.

Isso fez com que uma crise que poderia durar muito tempo, acabasse muito rápido e que eu saísse do outro lado dela muito melhor.

Mas também plantou na minha cabeça que um dos nossos maiores problemas recentes é a falta desse ato de amor.

Hoje com redes sociais, internet e a segregação da informação e dos sentimentos que passamos a viver nas nossas bolhas, o amor virou outra coisa.

O amor é apoiar cegamente pessoas que fazem mal.

O amor é proliferar conteúdos falsos para nossos contatos.

O amor é achar que estender a mão para ajudar o próximo é ideologia política.

O amor é receber like.

O amor é ter muito seguidores.

O amor é tudo menos o amor.

E hoje eu vejo que eu só me curei, por que ao invés de alguém fazer tudo isso comigo, pessoas vieram aqui e me abraçaram, me ouviram, cuidaram de mim.

Agiram no amor, como eu sempre tento fazer.

Cada dia mais eu acho que estamos passando por um processo de cura coletiva e como todo processo de cura ele pode ser bem violento. Pode dar febre, calafrios e podemos piorar muito antes de melhorar.

Mas quase sempre - seja numa gripe ou num câncer - além dos remédios e da medicina moderna, o que nos cura é o cuidado de quem está à nossa volta. É o cafuné de uma mãe, é um abraço de um pai, é o colo de um parceiro amoroso ou até só o um olhar doce de uma enfermeira em um hospital. É saber que a gente não está sozinho e que podemos estar frágeis por alguns momentos, mas que vai ter alguém agindo para nos proteger.

Eu sinto que muitas pessoas quando entram em grupos extremistas de qualquer ideologia vão atrás desse sentimento de pertencimento e de proteção que mimetiza o amor.

Esse sentimento que aconteça o que acontecer, alguém me entende e me ama. Que alguém vai fazer o que tiver de fazer para cuidar do que a gente acredita.

Seja salvando o mundo ou destruindo-o. No fim, a gente só quer ser amado e amar alguém de volta.

Nessas semanas que passaram, esse ato de amor que aconteceu comigo deu frutos maravilhosos para mim e muitas pessoas à minha volta. Processos de cura emocionais e reencontros. Ressignificações de sentimentos e de relações. Fim de ciclos e começos de outros.

Aproveito para agradecer publicamente a todo mundo que esteve do meu lado nessas semanas difíceis e que de um jeito ou de outro estiveram lá para mim e peço para você que está lendo isso, se algum dia você se sentir da maneira que eu me senti, peça ajuda. Fale alto e claro o que você está sentindo. Fale o que você precisa para tentar se sentir bem. Que eu prometo que alguém vai ouvir. Pode demorar um tempinho, pode ser imediatamente. Alguém vai ouvir e vai te ajudar. A gente é bom em ajudar o próximo e por isso estamos aqui até hoje, mesmo que tudo pareça horrível. Pois vejo que até para pessoas que não sabiam o que fazer para me ajudar naquela hora, hoje perceberam o que poderiam fazer e sei que eu eu outras pessoas podemos contar com elas, se acontecer de novo e precisamos dessa ajuda.

Tudo que eu passei foi pesado, mas foi bonito demais. Por que foi só sendo amado, que todo esse amor pode correr em mim e se transformar em tanta coisa, inclusive nessa coluna aqui que no fim é só uma tentativa de perguntar em voz alta para todo mundo:

O que aconteceria se a gente agisse mais no amor?

E me pergunto diariamente como seria tudo isso aqui que vivemos se a gente se atrevesse a amar o próximo, amar a natureza, amar a floresta e principalmente amar a nós mesmos? E fazer atos diários para provar e alimentar nosso amor?

Pode parecer hippie o que estou falando, mas é o amor que sentimos por alguma coisa que faz a gente viver o que estamos vivendo e ver o mundo da maneira que estamos vendo. Pode ser o amor ao dinheiro, o amor a qualquer deus, até o amor ao próximo. Mas é o amor.

E é nele que vou me amparar e agir sempre e torço que você também.

Que foi o amor que me salvou e tenho certeza que ele pode fazer o mesmo por você.