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Noah Scheffel

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Hormônios para homens trans têm alta no preço: coincidência ou extermínio?

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Imagem: iStock

25/08/2022 06h00

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Nesta última semana, dentro de grupos, redes sociais e movimentos que compreendem os homens trans, o desespero era o mesmo, ecoando na repetição da mesma frase: eu não consigo mais comprar os hormônios.

Assim, de uma semana para outra, nós, homens trans, que fazemos uso de medicamentos hormonais compostos por testosterona, por prescrição médica, nos deparamos com uma alta de 4 vezes no preço do medicamento mais utilizado e, até então, mais acessível dos disponíveis para nós.

Importante salientar: pessoas trans podem ou não fazer uso de medicamentos como hormônios, ou realizar cirurgias, caso optem por isso. Independente dessa escolha, a identidade de gênero da pessoa deve ser respeitada, e a sua transgeneridade não é validada pela realização ou não de tais procedimentos.

Mas, sim, a grande maioria dos homens trans costuma fazer uso de hormônios para desenvolver características e aparência lidas como masculinas pela sociedade: aparecimento de barba, crescimento de pelos no corpo, voz mais grossa.

As opções deste tipo de medicamento já eram escassas, uma vez que no Brasil existiam apenas três fórmulas. Uma delas foi retirada do mercado pela farmacêutica fabricante há mais de 6 meses, o Durateston, nos deixando assim apenas com duas opções, que variam pela sua composição, seu ciclo de uso, seu preço e a recomendação médica para cada paciente.

Destas, apenas duas opções existentes no mercado, a Nebido, com opção com ciclo de uso de, em média, quatro em quatro meses, possui um preço em torno de R$ 700 por uma ampola. A opção mais acessível, com ciclos de uso de, em média, vinte em vinte dias, possuía, até a outra semana, o preço em torno de R$ 50 por três ampolas.

E o desespero presente entre a nossa população de homens trans, que é tão invisibilizada, e carece tanto de acessos, políticas públicas e projetos de inclusão, se mostra justificável agora não "apenas" em relatos e narrativas por violações e inexistência de direitos, mas por um preço alto demais a se pagar.

A opção mais utilizada entre nós, a Deposteron, e que ainda assim não era acessível a todos, da média de preço de R$ 50, passou a custar mais de R$ 250 em todas as farmácias e drogarias do país. Até o momento que escrevo esta coluna, a farmacêutica responsável pelo medicamento não havia feito nenhum pronunciamento justificando a alta surreal do valor do produto.

Mesmo cientes da alta prevista para os medicamentos que a Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED havia anunciado, de em torno de 10%, e que, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), atingiu determinados medicamentos em 17% por uma questão de divergência entre o valor teto de preço e o valor trabalhado pelas drogarias, ainda estamos longe da proporção de aumento que nosso hormônio teve.

Se fôssemos colocar nosso medicamento dentro dessa máxima de 17% de aumento, o preço seria então de R$ 58,50, mas, repito, está custando R$ 250, então estamos falando de um aumento real de 400%, sem nenhum indicativo do motivo para tal.

Falando em falta de justificativa, aquela opção que comentei anteriormente, que foi retirada do mercado há mais de 6 meses e que era uma opção acessível, também não teve nenhum pronunciamento pela sua farmacêutica fabricante.

A questão é gravíssima e não se tem perspectiva nenhuma de um caminho a se seguir. É uma questão de saúde pública quando uma população perde acesso a um medicamento que faz uso de forma regular, receitado por profissionais médicos endocrinologistas, e que deve seguir os ciclos recomendados, pois do contrário, nossas vidas podem estar em risco!

Não se pode interromper o uso de um medicamento sem uma justificativa médica para tal. E a interrupção do uso dos hormônios para os homens trans vai além das questões de aparência ou características físicas: coloca em risco as nossas vidas por efeitos que ainda nem sabemos que podem ocorrer em nossos corpos.

Mais uma vez aqui se demonstra a falta de interesse público e social em olhar para as trans masculinidades, em que faltam estudos que nos digam as indicações e contraindicações relacionadas à nossa saúde, investimentos em pesquisas e acompanhamentos, e o conhecimento das consequências dos medicamentos que usamos e estamos sendo forçados a parar de usar.

Neste momento temos milhares de "homens trans invisíveis" sendo submetidos a uma situação de não acesso, que atinge diretamente a nossa existência e sobrevivência, e ninguém está fazendo nada a respeito.

O acesso via SUS, que parece ser uma alternativa pois alguns ambulatórios de atendimento específicos à população trans disponibilizam os medicamentos de forma gratuita, está desde antes dessa situação superlotado e com meses de fila de espera para atendimento.

Acreditar que valores como R$ 250 ou R$ 700 são possíveis para nós é uma ignorância com relação à situação das pessoas trans na sociedade, em que apenas 4% de nós possui acesso à empregabilidade formal. Se não temos renda, como poderíamos arcar com custos tão abusivos?

E eu fico aqui me perguntando, neste somatório de invisibilidade e falta de acessos para nós, homens trans: coincidência, ou tentativa de extermínio?