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Noah Scheffel

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

O que as piadas sobre a saúde mental de Justin Bieber dizem sobre nós?

Justin Bieber em performance de "Hold On" - Reprodução/Youtube
Justin Bieber em performance de 'Hold On' Imagem: Reprodução/Youtube

Colunista do UOL

08/09/2022 06h00

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Fã ou não, com certeza você ouviu falar em Justin Bieber na última semana, que veio ao Brasil para realizar shows de sua nova turnê. Desde o lançamento de seu último álbum e seus mais recentes shows na turnê chamada "Justice Tour", o cantor canadense vem abordando pautas sobre ter ambientes de pertencimento para todas as pessoas, empoderamento para grupos que sofrem preconceitos e se posicionando fortemente pelo fim do racismo.

Além disso, Justin compartilha em suas redes sociais (em shows também) mensagens que podem parecer bobas, mas pensando na relevância e alcance do artista, imagine quantas pessoas acabam escutando o astro dizer que "ninguém é melhor que você" e passam a acreditar nisso de fato — mesmo com a sociedade dizendo o oposto.

Reitero aqui que não entro no ponto de sermos ou não fãs do artista, e tampouco sobre outras atitudes dele que possam ser contrárias ao que falo aqui. Não acompanho e, portanto, não tenho como opinar tão amplamente sobre a vida e carreira do artista.

Mas acredito que não deveríamos ainda nos surpreender positivamente com atitudes e ações como estas, de pessoas com grande alcance e visibilidade. Isso é uma responsabilidade social de todas as pessoas, e mais ainda de quem possui grande alcance. Então, enquanto penso que "não faz o mínimo que sua obrigação", ao mesmo tempo, aplaudo. E aplaudo, pois a grande maioria não está fazendo este mínimo.

O quanto Justin precisou se aproximar das pautas para se sentir conectado a elas a ponto de defendê-las publicamente, sim, é algo que me interessa saber. Mas, na minha opinião, estar mais próximo de pessoas diferentes, com realidades diferentes, é a única forma de sairmos de uma inércia e passarmos a fazer a diferença. Agir.

Não apenas um artista com grande visibilidade. Você também. Sabe por quê? Porque essa é uma caminhada coletiva. Essa, de diminuir a desigualdade, precisa ser coletiva porque somos pessoas com sentimentos, expectativas, atingidas por discursos raivosos, por preconceito, por violências, mesmo que em diferentes graus. E nesse momento, a união faz com que a gente consiga segurar em quem está junto da gente para não sucumbir.

Volto então ao Justin Bieber para dizer que, mesmo com muito privilégio, a solidão atinge qualquer um de nós, em qualquer lugar do mundo, quando se luta contra sistemas de opressão. Principalmente no que diz respeito a saúde mental.

Não é de hoje que falam sobre a saúde, tanto física, quanto emocional, do cantor. E não, não estou dizendo que ele ter se posicionado em prol de equidade e feito seu "papel social" tenha sido o principal fato dele ter adoecido. Mas estou dizendo que, com toda certeza, isso também contribuiu.

E eu sei pois esse é o meu trabalho, e isso também contribui no meu adoecimento. Assim como com pessoas próximas minhas que também estão na mesma luta. Profissionais e ativistas que levantam pautas e trabalham com isso têm a saúde emocional dilacerada com muita facilidade, dizem algumas pesquisas, que também mostram que isso é fruto do nível de violência e preconceito que precisam conviver diariamente, muitas vezes escondendo o que sentem "em público" para poder continuar uma jornada de educação inclusiva e de abertura de portas e consciências.

Ainda assim, em coletivo, nos apoiamos, e vamos nos achando no escuro, acendendo as luzes, pois esse é o papel da rede de apoio que acredita nessa mudança de mundo, que precisamos tanto que aconteça. A solidão neste lugar não acende a luz para ninguém. Nem para quem está em posição de privilégio, como é o caso do Justin Bieber.

O que assistimos na última semana foi justamente o oposto daquilo que uma sociedade equânime deveria proporcionar. Justin Bieber deixar pra lá sua saúde mental para corresponder às expectativas de uma sociedade que, no fim, não sabe lidar com "desejos não atendidos".

E a que custo? Estamos no Setembro Amarelo, vendo uma figura que acreditamos poder "escapar" desse tipo de violência, precisando se submeter à ela, em um momento que luta pessoalmente por sua própria sobrevivência.

E nós, o que estamos fazendo? Piadas? Memes?

Se lutamos contra essa relativização e violência para nós, para com os grupos que representamos, para com as pessoas que amamos, quem somos nós quando damos risada de alguém que passa por isso? Justificar que é porque essa pessoa possui recursos financeiros ou fama não nos torna mais humanizados.

Em setembro, mês internacional em prol da saúde mental e contra o suicídio, reflita o que sua risada pode significar para outra pessoa.