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Noah Scheffel

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Hora de ser real: BeReal e a desigualdade em uma nova rede social

Postagem de Larissa Manoela no BeReal - Reprodução
Postagem de Larissa Manoela no BeReal Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

24/10/2022 06h00

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A hora de ser real. A rede social do momento pede justamente por isso, que aquele momento em específico seja compartilhado. E sem possibilidade de edições ou filtros. Quando você menos espera, uma notificação te avisa e você tem dois minutos para mostrar, com a câmera frontal e a câmera traseira, o que está acontecendo naquele instante na sua vida.

Muito diferente das redes sociais que se popularizaram até agora, onde podem existir horas ou dias de preparação para uma única postagem, e que a meta é conseguir cada vez mais seguidores e curtidas, a rede BeReal não contabiliza curtidas e só libera o feed dos amigos se você atender a notificação. Sem tempo para preparar roteiros, vender publis ou editar aquela foto que você tirou por milhares de ângulos.

Confesso que achei a proposta interessante por justamente não existir a competição doentia de alcance e engajamento, e depois parei para analisar que talvez fiquemos doentes por outro motivo: encarar a desigualdade de frente, quando costumamos usar as redes sociais mais populares para fugir dela.

Hoje você sabe que os criadores de conteúdo e influencers das redes ficam horas preparando e programando suas postagens. Há alguns meses, todos se mostraram muito chocados com a programação de posts de Bianca, a Boca Rosa, nas redes. Se até ali alguém ainda tinha dúvida que as publicações nas redes sociais são extremamente bem pensadas antes de irem parar no nosso feed, todos descobriram que sim. Mas apesar de sabermos que aquela não é a realidade da pessoa, a gente ainda fica tentando imaginar como ela é de fato. E esse "não saber" tem sim suas vantagens.

Vivemos numa sociedade que, a cada foto que curte no feed pensa: "nossa, que vida incrível". Mas que, ao mesmo tempo, se consola com o fato de que aquele momento, aquele clique, aquele filtro, aquela roupa, aquele fundo, tudo foi planejado justamente para que a gente se sinta assim. Uma sociedade que relativiza a desigualdade que vive, pois se agarra ao fato de que aquela vida não é de verdade.
Mas e se for?

E se a sociedade perder o motivo que as consola, e começar a se deparar com um "nossa, que vida incrível" a cada publicação alheia, e souber que aquele momento não foi de forma alguma planejado, e essa é a realidade de fato daquela pessoa? E se para ver isso você ainda tiver sido obrigado a publicar um momento de perrengue em tempo real da sua vida?

O que deveria ser algo para não adoecer a sociedade que corre atrás de likes, aceitação, seguidores e status de verificado, acaba se tornando adoecedor por outros motivos, nos mostrando o quanto estamos em uma situação de vida que não gostaríamos ou mereceríamos estar, ou o quanto existem pessoas em situações que são muito melhores que as nossas, mesmo sem precisar planejar.

Por mais que agora esteja em alta, será que queremos uma rede social para nos mostrar que a desigualdade social no feed é tão real quanto a desigualdade social da vida de verdade? Meu palpite é que não. Que assim como na vida real viramos o rosto pro lado e fingimos não ter nada a ver com isso, faremos o mesmo virtualmente.