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Noah Scheffel

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Travesti não é fantasia: Por que você não deve fazer isso no Carnaval?

Vitor Santos e Kleber Lobo/Ag.FPontes/Divulgação
Imagem: Vitor Santos e Kleber Lobo/Ag.FPontes/Divulgação

colunista do UOL

20/02/2023 06h00

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Não é de hoje, pelo contrário, é algo muito comum na história do Carnaval: homens se vestindo de mulher como se fosse uma fantasia. E essa aparente "brincadeira" vem normalmente carregada de estereótipos de performance de identidade de gênero das travestis.

Há vários problemas nessa situação. O primeiro deles é que nenhuma identidade de gênero é fantasia. Portanto, é ofensivo se apropriar da identidade de alguém, seja quem for.

Isso se conecta diretamente ao segundo problema que gostaria que você entendesse: ser travesti no país que pelo 14º ano consecutivo é o recordista mundial em número de assassinatos de pessoas trans - em sua grande maioria travestis - não tem graça alguma.

Não tem graça porque quando chega em casa, esses homens podem tira "a fantasia" e, pronto, estão imunes a qualquer tipo de violência que poderia acontecer se de fato fossem travestis.

Ser travesti na sociedade em que vivemos é encarar uma realidade em que 90% dessas pessoas precisam recorrer ao trabalho sexual de forma compulsória — não por escolha —, por falta de acessos básicos à escolaridade, à moradia, à alimentação, à saúde, ao mercado de trabalho, e por tantas outras exclusões causadas por preconceitos que ainda reproduzimos.

Imagine que no país do Carnaval a expectativa de vida de uma pessoa trans (e aqui incluímos a identidade das travestis) é de apenas 35 anos. Enquanto pessoas cis vivem mais de 70.

Portanto, acreditar que travesti é fantasia é se somar a mais uma violência de ridicularização e marginalização desta identidade — enquanto no dia a dia não as empregamos, não damos acesso à educação, marginalizamos e não as inserimos em nossas vidas. E isso é algo que a sociedade faz o ano inteiro enquanto as travestis, o ano todo, lutam para não se tornarem parte das estatísticas que mencionei anteriormente.

Não seja a pessoa que vai reforçar violências contra travestis, em qualquer dia do ano, mas principalmente por estarmos vivendo essa época, no Carnaval.

Ser travesti é uma identidade de gênero. E identidade de gênero não é fantasia. Não desumanize vidas.

No país do Carnaval, que a gente consiga em conjunto entender nossa responsabilidade em deixarmos de ser também o país mais perigoso do mundo para uma travesti viver.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL