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Noah Scheffel

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Será que vivemos mesmo uma 'epidemia trans' ou você só nos percebeu agora?

Parte das celebrações do Orgulho LGBTQIA+, pessoas frequentam a Marcha Trans - REUTERS/Carla Carniel
Parte das celebrações do Orgulho LGBTQIA+, pessoas frequentam a Marcha Trans Imagem: REUTERS/Carla Carniel

Colunista do UOL

08/05/2023 06h00

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Quem nunca ouviu, ou até mesmo disse, que hoje em dia "ser trans virou modinha"? Sendo as crianças, os adolescentes e até mesmo os adultos, "influenciados" ou "forçados" por novelas, propagandas e redes sociais a "mudarem de sexo"?

Tais afirmações estão erradas em tantos níveis que vou tentar desconstruí-las em uma ordem conceitual e, depois, cronológica, para que você entenda de uma vez por todas que não deve deslegitimar a existência de qualquer pessoa trans.

Para começar, ninguém "muda de sexo". Quando falamos de pessoas trans, a sociedade ainda tem um desconforto com a genitália de nascimento. E assim entende que pessoas trans seriam "homens - nasceram com pênis - que querem ser mulheres", e "mulheres - nasceram com vagina - que querem ser homens".

Aqui a confusão está formada, pois a sociedade não entendeu que "sexo" é uma coisa e "gênero" é outra. Quando falamos de "sexo", estamos falando da genitália de alguém, que vem no nosso imaginário do que aquela pessoa possui no meio das pernas, que pode ser "um pênis" ou "uma vagina". Agora, quando falamos de gênero, estamos falando daquele momento no chá revelação ou no nascimento, em que o médico diz "é menino" ou "é menina".

Você percebeu onde está o erro? O erro está em olharem para a genitália do bebê e, a partir dela, determinarem se aquele bebê se tornará uma mulher ou um homem. E precisamos aprender que a genitália não determina o gênero.

Antes que você se pergunte o que determina o gênero, eu explico: o gênero, que você conhece basicamente apenas como "homem ou mulher", é uma construção social. Ou seja, o gênero é algo que as pessoas vivenciam, se identificam e se reconhecem com base em como tais gêneros existem e se movimentam na sociedade. Portanto, diferente do sexo, que está visível para o médico, o gênero de cada pessoa, somente ela mesma pode determinar, pois é como ela se identifica.

Então, se "sexo é uma coisa e gênero é outra", imagine quantas vezes os médicos erraram.

E aqui temos o conceito do que é uma pessoa trans: é qualquer pessoa que não se identifica com o gênero que lhe foi atribuído no nascimento.

Num mundo ideal, a fala do médico seria, por exemplo: "esse bebê tem vagina, mas o gênero com que ele vai se identificar somente ele poderá dizer, quando conviver em sociedade e tiver sua consciência individual desenvolvida".

E essa consciência pode se dar logo após os 2 anos de idade. Portanto, sim, existem crianças trans. Mesmo não havendo um momento certo ou errado na vida para se identificar com algum gênero, a consciência social pode ser desenvolvida bem cedo, e aquela criança pode vir a não se identificar com o "é menina" que o médico anunciou quando viu uma vagina no ultrassom.

Agora que entendemos que ser trans não é "mudar de sexo", podemos riscar essa fala transfóbica do nosso vocabulário e partir para a próxima.

Ser trans seria então uma modinha atual influenciada por mídias sociais e audiovisuais? Muita gente acha que sim. Porém, temos registros de pessoas trans na sociedade de 400 anos atrás, onde não havia Facebook, Tiktok ou novelas abordando esse tema. Como poderiam essas pessoas ser influenciadas por recursos que nem existiam na época?

Algo que pode te dar essa impressão, de como dizem os preconceituosos, "uma epidemia trans", é que, justamente, o acesso à informação através da tecnologia, das redes sociais e das pautas de diversidade cada vez mais destacadas no mundo, finalmente te fizeram perceber que nós, trans, existimos.

Nós não "nos multiplicamos". Nós estamos aqui desde que o mundo é mundo. Você que passou, finalmente, a nos enxergar. E se isso te incomoda de alguma forma, sugiro que você se pergunte o porquê.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL