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Noah Scheffel

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

'Ppk' da Gilette: Marca ofende toda sociedade com uma vagina de influencer

PPK da Claudia é influencer da Gilette - Reprodução
PPK da Claudia é influencer da Gilette Imagem: Reprodução

Colunista de Ecoa

24/06/2023 06h00

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Só se fala na tal da "ppk". Se você está na internet nas últimas horas, você se deparou com ela: a nova influenciadora virtual da campanha da Gilette, que conseguiu unir o país mais dividido da galáxia.

Finalmente podemos dizer que estamos "no mesmo barco": todos ofendidos com a ação e o que ela representa.

A marca criou "a ppk da Claudia", uma influenciadora em formato de vagina, para "falar de beleza e cuidados íntimos". E aí foi erro atrás de erro, tudo numa mesma ação, que por pior que seja, faz parte de uma campanha muito maior que deve contar com celebridades.

Mas já começamos errado, pois a marca vincula cuidados íntimos com depilação. O movimento feminista já batalhou muito para desvincular a ideia de beleza íntima, obrigação patriarcal por depilação dos corpos de identidade feminina, e empoderamento em busca do respeito ao mais que válido bordão "meu corpo, minhas regras".

Associar a depilação à limpeza é ainda um diálogo misógino e machista.

Para a comunidade LGBTQIAPN+, a marca atinge fortemente ao criar a conexão de genital com gênero. Uma das maiores lutas para que se consiga equidade e leis de proteção para as pessoas trans e travestis, é que se entenda que genital é uma coisa, e ela não determina de forma alguma o gênero dessa pessoa. Ou seja, temos homens trans com vagina, mulheres trans e travestis com pênis, e muitos outros corpos plurais.

Vincular a vagina - ou aqui a "ppk da Claudia" - à uma identidade feminina atravessa as pessoas com vagina que não são mulheres, e as deixa de fora do diálogo de cuidados íntimos. É excludente, desvalida as transmasculinidades e invisibiliza as nossas existências.

Se olharmos pelo lado das transfeminilidades, excluímos mulheres trans e travestis do diálogo sobre cuidado íntimo e beleza.
Quando falamos de pessoas intersexo então, aí elas realmente nem existem.

Nitidamente uma campanha que foi feito para mulheres cis, e ainda assim, conseguiu atingi-las negativamente também.

Como se não pudesse piorar, o nome da influenciadora virtual, "ppk", é um apelido para uma parte íntima do corpo de muitas pessoas. Porém, criar apelidos para partes íntimas gera um risco grande de crianças e adolescentes sofrerem abuso sexual. Muitas parentalidades, ainda com uma questão forte de tabu social em cima dessas palavras, evita dar o nome correto e ensinar os filhos sobre as partes íntimas e como protegê-las.

Ensinar os nomes corretos das outras partes do corpo conseguem comunicar quando algo não está bem. Crianças que sabem o nome correto de suas partes íntimas e que falam sobre isso com seus responsáveis, ficam menos vulneráveis a passarem por abusos sexuais, pois elas costumam saber com mais clareza quais partes do corpo podem ou não ser tocadas por outras pessoas.
Indiretamente, quantas crianças e adolescentes não acabam mais suscetíveis à pedofilia com a criação deste apelido e dessa campanha?

Com toda certeza essa hipótese nem foi considerada.

E se não fosse possível, a Gilette também conseguiu ofender os conservadores, que acharam a "ppk" ofensiva ao mostrar um órgão genital tido por eles como feminino, ou seja, impossíveis de serem exibidos em imagens e ações, pois não fazem parte de uma campanha que valoriza o homem cis em uma sociedade patriarcal.

Parabéns, Gilette, por unir o Brasil.

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