Noah Scheffel

Noah Scheffel

Opinião

O personagem que ninguém notou esquecido no caso de Larissa Manoela...

Você também foi um dos poucos que escolheu não ver a tal entrevista da Larissa Manoela ao vivo? Eu tinha uma viagem longa para fazer e deixei para aproveitar o tempo no carro pra isso. Mas, antes de entender o que estava rolando, fui inundado pela repercussão de 7 minutos, em uma infinidade de "memes" que nem 7 horas de viagem seriam capazes de finalizar. Mas percebi, preocupado, nessa enxurrada, a ausência de um personagem muito importante, e, aí, eu fiquei curioso o suficiente pra entender o que estava rolando.

Bom, com certeza já não é novidade para você, mesmo se você não viu a tal entrevista ao vivo. A atriz Larissa Manoela, que trabalha desde seus 4 anos de idade, expôs a situação financeira que se encontra por causa dos pais, que desde o início da sua carreira, administram "os frutos" de todo seu trabalho. E, até aí, tudo bem, né? Quando é a carreira de uma criança, os pais normalmente fazem isso pela não maioridade dos artistas. Porém o que a Larissa expôs, agora aos 22 anos de idade, foi que vive um caos relacionado a não ter acesso a dinheiro nenhum fruto da sua carreira, sendo esse dinheiro negado pelo pai e pela mãe, em um esquema de contratos de empresas onde os progenitores se colocam como principais receptadores dos valores adquiridos pela carreira da atriz mirim, impedindo-a de comprar até um lanche na praia com os amigos.

Do domingo pra cá, só se fala em "violência patrimonial", na "lei Maria da Penha", e na criação de outras legislações que podem proteger as crianças que trabalham com relação ao seu patrimônio e futuro. Nada mais justo, não é? Afinal, no caso da Larissa Manoela, ela disse que abriu mão de R$ 18 milhões de reais para poder romper com os pais, e "recomeçar do zero" com a abertura de uma nova empresa onde ela recebe os lucros dos trabalhos que executa. No dia seguinte, a atriz foi a público nas redes agradecer todo apoio que vinha recebendo dos fãs e dos colegas de trabalho, além de dizer que está bem e com essa rede de apoio, passar por toda essa situação, está sendo menos difícil.

Porém em tudo que você viu, fosse a entrevista, a declaração da Larissa, ou os infinitos memes, com certeza você também não viu aquele personagem que eu comentei perceber que estava faltando. O personagem que a gente não viu, foi o "Pacto da Branquitude". Essa expressão, intitulada por Cida Bento - escritora, psicóloga e pesquisadora - revela um compromisso quase inconsciente das pessoas brancas em manter a estrutura racial como ela é, injusta, para que continuem se autopreservando e se privilegiando dessa estrutura enraizada em nossa sociedade. Sim, o "pacto da branquitude" é o personagem que está ausente de tudo isso que vem sido levantado com o caso da Larissa Manoela.

Ou você duvida que, agora, com a própria empresa, e a visibilidade que o caso tomou, os R$ 18 milhões "perdidos" não serão rapidamente recuperados por propostas de trabalho, publicidade, ou marketing, que a atriz vai receber, partido de outras pessoas brancas ou empresas embranquecidas? E que tudo isso vai ser "recuperado" em muito menos tempo que a carreira toda que a atriz teve até o momento? Você com certeza não sabe, por exemplo, qual a situação financeira ou de carreira do "Cirilo", o colega da "Maria Joaquina", interpretada por Larissa na novelinha Carrossel em 2012. Aliás, você provavelmente nem sabia que o nome dele é Jean Paulo Campos. Ele, assim como Cida, pessoas negras, "esquecidas" de fora de qualquer visibilidade ou equidade racial que colocasse o holofote em suas vidas, conquistas ou dificuldades a serem expostas ao vivo gerando comoção generalizada. Cida diz que o pacto da branquitude sustenta as desigualdades, fortalecendo o mesmo grupo de "iguais", e excluindo quem não faz parte deste grupo.

Enquanto o carro andava, passei um bom tempo refletindo sobre o caso. Onde temos uma situação absurda acontecendo com uma atriz que trabalhou a vida toda e passa por essa violenta injustiça por parte de seus pais, onde temos o apoio já declarado de empresas que querem trabalhar com a atriz imediatamente para ajudá-la a recomeçar, e onde temos toda uma movimentação para proteger a carreira das crianças com a sugestão de criação de lei até com o nome da própria atriz.

Apesar do preço que Larissa está precisando pagar, "recomeçar do zero" talvez não fosse o conceito que eu usaria pra falar sobre isso tudo. Mas eu já estou sendo obrigado a encerrar por aqui, pois tive o raciocínio interrompido agora ao parar do carro no farol, e ser abordado por um "pilantrinha" de uns seis anos de idade me pedindo dinheiro para comer um milho ali do outro lado da rua. O Brasil com certeza já foi melhor... antes, ao menos, esses vagabundinhos tinham biscoito ou água para oferecer. Agora se aproveitam de todos, querendo tudo de graça, atrapalhando quem só está de passagem em frente ao mar, tentando trabalhar.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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