Noah Scheffel

Noah Scheffel

Opinião

O estigma do autismo e a exclusão da nossa diversidade oculta

No último domingo, assisti à entrevista emocionante da atriz Letícia Sabatella no Fantástico, onde ela compartilhou sua experiência de diagnóstico tardio de autismo. Suas palavras ecoaram profundamente em mim, pois também trilhei o caminho do diagnóstico já adulto, o que trouxe uma série de reflexões sobre minha própria jornada e os desafios enfrentados.

Assim como Letícia, eu me encontro, atualmente aos 36 anos, lidando com dúvidas e medos semelhantes. Nós autistas viemos lidando desde nossa existência com a não compreensão do mundo com a gente. A não compreensão de todas as demais pessoas da sociedade, seja em relacionamentos, em acesso ao mercado de trabalho, em amizades, na escola, e principalmente, na permanência nesses espaços por um fator em comum: não nos entendem.

Para nós, eu, Letícia e tantos outros, enfrentar a descoberta tardia do autismo é uma jornada que afeta nossa saúde mental de maneira única. Durante anos, lutamos para entender por que éramos diferentes, por que nos sentíamos deslocados e frequentemente incompreendidos. O peso da hipersensibilidade a estímulos como luzes, sons e toques físicos muitas vezes nos faz ser vistos como frios, arrogantes ou irritados, mesmo quando estamos apenas buscando nosso próprio conforto, ou até mesmo, "nosso próprio eu".

Diante desse cenário, a jornada de autodescoberta é um abraço em meio aos desafios que podem afetar nossa saúde mental, como ansiedade, depressão e baixa autoestima. Mas não basta apenas a autodescoberta. O mundo precisa descobrir o autismo.

O "masking", como Letícia tão bem explicou, é uma estratégia que muitos de nós adotamos para nos encaixar em situações sociais. É um esforço consciente ou inconsciente para suprimir nossos comportamentos autistas naturais. Entretanto, esse esforço para nos parecer com pessoas "não autistas" é extremamente exaustivo, corroendo lentamente quem somos. Além disso, como Letícia mencionou, as sobrecargas sensoriais frequentes podem levar a "meltdowns" e "shutdowns". Termos que a maioria das pessoas que convive conosco, nunca ouviu falar.

Os meltdowns são como explosões emocionais, muitas vezes incontroláveis, causadas pelo acúmulo de estresse e sobrecarga sensorial. Chorar compulsivamente, gritar e, em alguns casos, se agredir fisicamente são manifestações desse fenômeno. Infelizmente, essas reações podem agravar ainda mais o estigma social, alimentando o ciclo de desgaste físico e emocional.

Por outro lado, os shutdowns são mecanismos de autopreservação. Durante um shutdown, nos desconectamos do ambiente e das interações sociais, ficando distantes e exaustos.

Para mim, é como se minha mente se fechasse em uma concha protetora, me isolando do mundo ao meu redor. No entanto, isso também pode dificultar as relações interpessoais, especialmente no ambiente de trabalho.

É crucial compreender que meltdowns e shutdowns são manifestações de sobrecarga e estresse que podem ter um impacto profundo em tudo que nos rodeia e principalmente em nossa saúde emocional. O apoio e a compreensão são vitais. Isso inclui a criação de ambientes seguros e com baixa estimulação, o fornecimento de estratégias de gerenciamento do estresse e, acima de tudo, a redução do estigma em relação ao autismo. Isso nos permite melhorar nossa saúde mental e viver em uma sociedade mais inclusiva e acolhedora.

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Embora compartilhemos algumas experiências comuns como autistas, é importante ressaltar que somos tão diversos quanto qualquer outro grupo de pessoas. Cada um de nós tem sua própria história, suas paixões e seus desafios únicos. Cada diversidade é única, principalmente a neuroatipicidade.

Assim como disse Letícia Sabatella, a jornada do autismo pode ser complexa, mas também é profundamente transformadora e enriquecedora. Quando a sociedade compreende nossa singularidade, desafia o estigma e nos apoia em nossa busca por autenticidade, nós encontramos um espaço onde nossas vozes são ouvidas e nossas mentes podem prosperar. Lembrem-se, somos mais do que nosso autismo - somos indivíduos que buscam conexões genuínas e uma vida plena.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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