Noah Scheffel

Noah Scheffel

Opinião

BBB e preconceito reverso

Foi só começar o programa mais polêmico da televisão para surgirem novas problemáticas sociais que, há 20 anos, não existiam. O grande problema hoje, na vigésima quarta edição do programa, parece ser "a falta de participantes 'padrão'", como algumas ex-participantes, como Nati Casassola e Bárbara Heck, consideradas "padrão", têm reclamado em suas redes sociais.

O que esse pessoal quer dizer com "padrão" nada mais é que os estereótipos da mulher e do homem branco, hétero, cisgênero e sem deficiência. O que reclamam agora é da ausência dessas pessoas na casa mais vigiada do Brasil pelos próximos meses.

Se olharmos bem para o retrato da casa de 20 e poucos anos atrás e a compararmos com a nossa sociedade, vemos uma diferença gritante, afinal, a nossa sociedade está longe de ser formada por pessoas "padrão". Apesar disso, agora, em 2024, o retrato da casa ainda não é fidedigno do que é nossa sociedade. Onde estão os homens trans, para citar um exemplo. Estamos vendo uma diversidade de pessoas cada vez mais próxima do que é a sociedade em que vivemos.

Mas por que isso incomoda? Pois "o padrão" sempre esteve lá. E quando "o padrão" não se vê completando sozinho um espaço, acha que esse espaço foi tirado de si. E aí chegam as falácias do "preconceito reverso" e da "meritocracia". Reclamações como "falou que é favelado: já ganhou" ilustram bem o incômodo com pessoas de diferentes recortes sociais fazendo parte de algo a que antes não tinham acesso.

A questão é que "o padrão" sempre esteve em todos os lugares, sempre esteve no "topo da cadeia alimentar" social e sempre esteve majoritariamente fazendo parte do BBB também. Por isso que não existe "preconceito reverso" ou "meritocracia" para chegar lá no Big Brother. O que está acontecendo agora, quando vemos uma pessoa com deficiência física disputando uma prova lado a lado com uma pessoa sem deficiência é o retrato que citei antes e que deve, sim, ser reproduzido dentro de qualquer espaço. Seja no BBB, seja na escola, seja no mercado de trabalho ou em qualquer lugar onde "o padrão" sempre esteve.

E "o padrão" sempre esteve não por mérito, mas por preconceito estrutural contra quem não faz parte desse estereótipo. Por isso não existe mérito em estar nesses lugares quando esses lugares sempre foram desse estereótipo. Por isso não existe "preconceito reverso" contra quem nunca esteve lá.

O movimento que vemos no BBB hoje e que nos anos anteriores foram "melhorados" são movimentos de igualdade — que inclusive estão atrasados quando falamos de igualdade social. Afinal, esse "lá" onde "o padrão" sempre esteve também é um direito de ocupação de todas as outras pessoas.

Se existimos fora do BBB, devemos também existir dentro dele. Afinal, não estamos roubando espaço de ninguém, estamos sendo incluídos em espaços dos quais sempre fomos intencionalmente excluídos. E isso sim é preconceito.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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