Davi do BBB nos mostra por que amamos odiar homens negros
Não foi com a presença de Davi no BBB 24 que começamos a ver o quanto um homem negro está sujeito a ser "reduzido a um neguinho", como diz a música "Capítulo 4 versículo 3" de Racionais MC, de 1997:
Te oferece dinheiro, conversa com calma
Contamina seu caráter, rouba sua alma
Depois te joga na merda sozinho
E transforma um preto tipo A num neguinho
O verso da música de 27 anos atrás não poderia ser mais atual. Ele reflete como homens pretos, a troco de dinheiro e ascensão social, enfrentam constantes questionamentos sobre sua personalidade, atitudes e caráter por pessoas brancas - principalmente por mulheres brancas.
Hoje vemos e vivemos uma hierarquia social muito bem desenhada pelo racismo estrutural, aquele que veio desde a época da escravidão nos dizendo que o negro é menos que o branco em absolutamente todos os sentidos, espaços e possibilidades de vivências. Não é segredo que ainda acreditamos nisso e perpetuamos isso, pois quando olhamos para os dados de desigualdade social, a população negra é a que ainda mais carece de acessos básicos como moradia, alimentação, estudo, emprego formal e tantos outros privilégios que são naturalizados e acessados por quem não é negro no país mais preto além-mar do continente africano.
Como diria Cida Bento, esse é um pacto muito perverso, o pacto da branquitude. Ele deixa que a população negra chegue somente aonde ela quer que o negro chegue, depois de fazê-lo passar por tudo que ela gostaria que ele tivesse passado.
Mesmo que o negro ainda seja maioria neste país, ele é menorizado em poder. E quando digo "poder" não estou apenas referenciando o privilégio que o negro não possui, estou me referindo também a todas as faltas de possibilidades de o negro poder fazer ou ter alguma coisa além daquilo que o branco acha que o negro merece.
Esse pacto gira em torno das pessoas brancas e serve às pessoas brancas, que se apoiam em grupo para justificar ações e atitudes que, se fossem reversas, jamais seriam toleradas. É possível que mulheres brancas, que já estão mais a salvo na hierarquia social de sofrer qualquer "cancelamento" por conta do uso indiscriminado e aproveitador do movimento feminista, destruam a saúde emocional de um homem negro com a mesma facilidade com que o país se diz "não racista".
Mulheres brancas podem agir sem pensar em qualquer consequência de talvez infundadas acusações, pois ela raramente virá. A mulher branca está a salvo das consequências de seus atos, pois, neste pacto, elas também têm o poder de menorizar o negro até onde elas quiserem que ele seja reduzido. Elas têm mais poder sobre isso do que o homem branco, pois esse ainda é criticado e, às vezes, penalizado por ser racista, machista, xenofóbico, lgbtfóbico ou ter qualquer outro preconceito.
Mulheres brancas têm o passe livre para o preconceito saindo impunes caso estejam "erradas" sobre alguém ou algum grupo social. Basta um "eu errei" e elas podem pegar o negro, contaminar seu caráter e jogar um preto tipo A, sozinho, na mais degradante definição de "neguinho".
O brasileiro ama odiar homens negros, e a sua forma de não se dizer racista depois de tudo isso ainda é usar da "benevolência" e se tornar o "branco salvador". Aquele que usa sua posição de poder para dar - e preste bastante atenção nessa palavra - algo que ele resolveu que aquele negro é digno de ter.
Essa atitude não é uma atitude de alguém que não é racista, ou de alguém que não faz parte do pacto da branquitude. Pois não se trata e nunca se tratou de "dar".
A equidade para o povo negro sempre se dará através da devolução daquilo que nos foi tirado. E isso, nem a branquitude que reduz, nem a branquitude que salva, estão dispostos a fazer.
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