O que são transmasculinidades e como apoiá-las?
No mês de fevereiro, celebramos o Mês da Visibilidade Transmasculina, e o Ibrat (Instituto Brasileiro de Transmasculinidades) está organizando a 1ª Marcha Transmasculina de São Paulo. O evento "é um grito coletivo que demarca nas ruas nossas existências. Esta marcha nasce da urgente necessidade de combater a invisibilidade que resulta em muitas violências", diz o manifesto. A marcha está marcada para 3 de março na cidade de São Paulo, no Masp, das 14h às 19h.
Transmasculinidades referem-se a identidades de gênero de indivíduos que, ao nascerem, foram designados como meninas, mas não se identificam com este gênero feminino que lhes foi atribuído. A atribuição de gênero acontece baseada na combinação de genital, cromossomos e anatomia dos bebês, aquilo que normalmente chamamos de "sexo do bebê". Porém, sexo atrelado aos genitais não define o gênero de ninguém.
Quando eu nasci, por exemplo, disseram que era uma menina, de acordo com minha anatomia. Entretanto, eu não me identifico como mulher, mas como um homem, sendo essa a minha identidade de gênero: uma identidade de gênero transmasculina.
Conversei com o coordenador do Ibrat SP, Kyem Ferreiro, o vice-coordenador e coordenador de comunicação, Ravi Spreizner, e o psicólogo Juca Martins, da pasta de Saúde Pública do Ibrat SP sobre o trabalho do instituto. Veja a seguir os principais trechos.
O que é o Ibrat?
Kyem Ferreiro e Ravi Spreizner: O Ibrat teve sua origem em 2012 durante o 1º Encontro Regional Nordeste de Homens Trans, na cidade de João Pessoa, e foi oficialmente lançado politicamente em setembro de 2013, durante o 20º Encontro Nacional de Travestis e Transexuais (ENTLAIDS), em Curitiba.
Inicialmente focado em formar agentes ativos na luta por direitos e gerar diálogos sobre a realidade transmasculina, o Ibrat passou por uma reestruturação em 2020, ganhando força e expandindo suas ações por todo o país a partir de uma reformulação de seu estatuto.
Atualmente, o instituto atua em diversas regiões do país, abrangendo várias frentes para atender às demandas da população transmasculina, e mobilizando a estrutura para ações de combate à violação de direitos e de construção de políticas intersetoriais.
O Núcleo São Paulo foi recriado e ganhou uma nova força de atuação, principalmente nos últimos 2 anos. Nós trabalhamos ativamente para construir políticas junto à população transmasculina da cidade, buscando mapear, observar e ouvir as diversas demandas que atravessam o cotidiano dessas pessoas e o exercício de seus direitos básicos.
O Ibrat atua de forma articulada com diversos setores da sociedade, o que vem fortalecendo seu trabalho na cidade. Consideramos aspectos como trabalho, lazer, esporte, cultura, relações afetivas e saúde, abordando a complexidade de cada experiência e reconhecendo a urgência de abordar cada uma delas na formulação de políticas que atendam às necessidades de nossa população.
Por que fevereiro é o mês da visibilidade transmasculina?
Juca Martins: Em 20 de fevereiro de 2015, aconteceu a primeira edição do ENAHT, o Encontro Nacional de Homens Trans e Pessoas Transmasculinas, na USP, em São Paulo. No encontro, acumulamos percepções e experiências diversas, podendo produzir conhecimento e perspectivas novas sobre nossa comunidade. Foi muito importante para definir caminhos de atuação para o ativismo da população de homens trans e pessoas transmasculinas.
Por isso, trata-se de uma data e um mês muito importantes para que possamos fortalecer nossa história e nos organizarmos para continuar na construção de ações coletivas que busquem não somente nossa visibilidade e que nossas necessidades sejam ouvidas, mas também espaços de atuação e garantia de direitos básicos para que possamos ter a autonomia dos nossos corpos e possibilidades de vivências múltiplas.
Qual a importância de falarmos sobre o assunto e os maiores desafios hoje encontrados por pessoas transmasculinas?
Juca Martins: Muitas vezes, nosso maior desafio é não termos espaços públicos ou de relevância na sociedade para falarmos sobre o assunto, para além dos espaços construídos pela nossa própria comunidade. Falar sobre as identidades transmasculinas é fundamental para promover uma compreensão mais profunda sobre essas vivências, que possuem suas particularidades e sua multiplicidade. Ao compartilhar histórias e experiências de pessoas transmasculinas, abrimos espaço para uma maior visibilidade e representatividade dessas vivências.
Um dos principais desafios enfrentados pelas pessoas transmasculinas é a invisibilidade em diversos setores da sociedade, como na construção de políticas públicas, no mercado de trabalho, na obtenção de cuidados de saúde adequados. Muitas vezes, as pessoas transmasculinas enfrentam obstáculos para encontrar profissionais de saúde que entendam suas necessidades específicas, incluindo cuidados de saúde mental.
As relações sociais e afetivas também atravessam as vivências transmasculinas de maneira muito diversa em cada contexto, o que pode ser um desafio significativo. Muitas vezes, essas pessoas enfrentam resistência e falta de compreensão por parte de suas famílias, amigos e comunidades, o que pode levar ao isolamento e à solidão.
É importante abordar esses desafios de maneira complexa, reconhecendo a interseccionalidade de identidades e experiências que moldam a vida das pessoas transmasculinas. Isso inclui a implementação de políticas e legislações inclusivas, programas de sensibilização e educação e apoio contínuo à comunidade transmasculina em todos os aspectos da vida.
Qual a importância da marcha, tanto para as transmasculinidades, quanto para todas as pessoas da sociedade?
Kyem Ferreiro: Desde o nascimento, quando nos é imposto o gênero feminino, somos vítimas incessantes do apagamento, violência e silenciamento. Esse apagamento resulta em serviços e políticas públicas que não dialogam com nossas especificidades e a consequência de vivenciar essas experiências é uma saúde física e mental fragilizada por um sistema que expulsa identidades e expressões divergentes da normativa e submete este grupo a uma necropolítica.
Portanto, é urgente que nossas demandas componham as pautas políticas e estejam nas construções de políticas públicas que, de fato, contemplem nossa população. Esta marcha é um marco histórico para a comunidade transmasculina para celebrarmos a diversidade e a possibilidade das nossas existências, mas é sobretudo um posicionamento público, nas ruas, de que estamos em movimento e na luta pelos nossos direitos.
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