Noah Scheffel

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Opinião

RS tem milhares de refugiados climáticos, e não desabrigados e desalojados

Escrevo de dentro da maior tragédia climática ocorrida no Sul do país. Escrevo da capital do Rio Grande do Sul, que passou e passa pela maior crise climática de sua história e mal sobrevive em meio às necessidades básicas não atendidas e a necessidade de resgates, abrigos, doações e reconstrução. Escrevo enquanto a bateria do computador ainda resiste, pois falta luz. Ao todo, 1,3 milhão de pessoas foram afetadas pela tragédia da região e 90 morreram.

De acordo com a Defesa Civil, há 48.147 desabrigados, instalados em alojamentos cedidos pelo poder público, e 155.741 desalojados. Mas não estamos falando de mais 150 mil "desalojados" e mais de 48 mil "desabrigados". Estamos falando de 204.888 refugiados climáticos. Precisamos nomear corretamente o que está acontecendo no Rio Grande do Sul, pois aquilo que não é nomeado, não existe.

Neste momento a capital, Porto Alegre, chamada no último South Summit como a "capital da inovação", entrou em colapso. Entre abrigos e mutirões de ajuda humanitária e animal, falamos de milhares de pessoas que perderam suas casas, seus pertences, e, alguns, seus familiares. Falamos de incontáveis animais de estimação que são vistos boiando nas águas transbordadas do rio Guaíba, que invadiu a capital por conta das chuvas. A falta de investimentos para combater crises como essas, deixou sitiada a cidade que hoje está praticamente intransitável.

Alagado, o aeroporto está fechado e assim permanecerá por todo mês de maio, impedindo qualquer locomoção por ar. As estradas estão em situação de risco, principalmente aquelas que levam ao interior do estado. A própria cidade, com poucos bairros que não foram atingidos pelos alagamentos, se encontram intransitáveis.

Neste momento o mais urgente é a água. Não temos abastecimento de água em mais de 70% da cidade com as subestações desligadas. O próprio prefeito da capital pediu que as pessoas que têm casa no litoral deixem a cidade, pois ela colapsou. Os mercados não têm mais água potável para vender e não se encontra em lugar nenhum. A situação é tão grave que existe apenas uma subestação de água funcionando na cidade, e abastece apenas uma região na parte sul. Fora isso, a cidade toda está com previsão de não ter abastecimento de água por mais 10 ou 15 dias. Não há água para beber.

Existem diversas ONGs e pessoas voluntárias fazendo um trabalho incansável de resgate das vítimas e mutirões para arrecadações de itens necessários para os abrigos. Mas, em meio a isso, disseminações de fake news e desinformações deixam a população ainda mais alarmada, desesperada e em estado de choque, muitas extremamente abaladas psicologicamente frente a tudo que tem acontecido. Perfis no Instagram foram criados com listas atualizadas de abrigos para que se encontrem parentes e crianças perdidas ou pessoas desencontradas. Caminhando nos alojamentos, se vê tristeza e desespero nos olhos de cada um.

Hoje faz sol em Porto Alegre, mas não sentimos alívio. Sentimos angústia por todas as vidas impactadas pelo descaso do governo do estado que destinou apenas R$ 50 mil de orçamento total para ações que combatessem a crise climática, ignorando qualquer perigo que estivesse por vir. E a previsão do tempo ainda diz que a partir de amanhã teremos mais chuva.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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