Noah Scheffel

Noah Scheffel

Só para assinantesAssine UOL
Opinião

A falácia da meritocracia: um mito que perpetua a desigualdade

Em um mundo marcado por disparidades socioeconômicas gritantes, a ideia de meritocracia soa como um conto de fadas. A narrativa de que cada um ascende na vida unicamente por seus méritos e esforço individual ignora as profundas desigualdades que permeiam nossa sociedade e perpetuam a exclusão de milhões.

A meritocracia, em sua essência, propõe que o sucesso é resultado exclusivo do talento e da dedicação, desconsiderando os fatores externos que moldam as oportunidades de cada indivíduo. Essa visão simplista ignora as barreiras sistêmicas que impedem o progresso de grande parte da população.

Uma grande quantidade de pessoas defende a meritocracia, e eu consigo provar isso a cada coluna que escrevo falando sobre pautas sociais. Comentários como "todos são iguais", "deveriam medir as pessoas pelo talento e não fazer ações afirmativas que só nos dividem mais", "cada vez inventam mais uma coisa pra privilegiar determinadas pessoas" são só alguns exemplos, adaptados para uma linguagem mais branda do que a usada normalmente em minhas colunas sobre desigualdades em qualquer espaço social.

Mas o fato é que a desigualdade vem desde a largada. Desde o nascimento, as disparidades se fazem presentes. Por exemplo, crianças nascidas em famílias com renda e acesso à educação de qualidade possuem uma linha de partida infinitamente mais vantajosa do que aquelas em situação de pobreza. O acesso a saúde, nutrição adequada, moradia digna e um ambiente familiar estimulante impacta diretamente o desenvolvimento cognitivo e nas oportunidades futuras.

A educação, pilar fundamental para a ascensão social, muitas vezes se torna um privilégio inacessível para os mais necessitados. Escolas públicas precárias, professores mal remunerados e a falta de infraestrutura adequada comprometem a qualidade do ensino, perpetuando o ciclo de desigualdade.

No mercado de trabalho, a meritocracia se transforma em um mito. O acesso a vagas de emprego qualificadas, a progressão na carreira e a remuneração justa são influenciados por diversos fatores além do mérito individual. Discriminação por gênero, raça, origem social e até mesmo pela aparência física são realidades vivenciadas por muitas pessoas, limitando suas chances de sucesso.

Em vez de promover a justiça social, a meritocracia serve como ferramenta para legitimar as desigualdades existentes. Ao culpar o indivíduo por seu "fracasso", ignora-se a responsabilidade da sociedade em criar um ambiente onde todas as pessoas tenham as mesmas oportunidades de se desenvolver.

Para superar a falácia da meritocracia, é necessário atacar as raízes das desigualdades. Investir em educação de qualidade para todos, garantir acesso universal à saúde, combater o racismo e outros preconceitos, ir contra qualquer tipo de discriminação, e sim, fomentar o acesso justo ao mercado de trabalho são medidas essenciais para construir uma sociedade mais justa e equânime, afinal, não somos todos iguais e partimos todos de pontos diferentes.

A meritocracia é um ideal utópico em um mundo marcado por disparidades. Acreditar nesse mito apenas serve para perpetuar a exclusão e a injustiça. Somente através de ações que combatam as desigualdades estruturais poderemos construir um futuro onde o sucesso seja realmente fruto do mérito individual, e não um privilégio reservado a poucos.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

Deixe seu comentário

O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.